Um Encontro do Saca Rolha com a Nebbiolo

nebbiolo1         A maioria de nós amantes e desbravadores desta imensa vinosfera, entre eles os confrades da confraria Saca Rolha, sabemos que o famoso Barolo é elaborado com esta saborosoa uva, porém o que muitos não sabem é que há muito mais Nebbiolo além do Barolo, pois esta reina no Piemonte! Desta feita os amigos se reuniram para provar um pouco do que se faz no Piemonte com esta uva porém com um enfoque maior nos Barolos e suas diversas gamas de qualidade e preço. Como sempre, nossa porta voz Raquel Santos compartilha com os amigos sua experiência e percepção dos vinhos tomados. Para preservar o caixa, somente 4 vinhos desta feita complementados por rótulos fora do tema.

 

Dizem que a primeira vez, a gente nunca esquece. Pois bem, lembro-me perfeitamente do meu 1º Barolo. Foi num jantar de família, lá nos anos 90, em que o vinho que seria servido, veio acompanhado de várias histórias que faziam dele algo especial. Entre elas, a famosa citação de Voltaire: “O vinho dos reis e o rei dos vinhos”. Outra coisa que chamou atenção, foi o fato de serem de longa guarda e nunca deveriam ser consumidos antes de pelo menos uns 10 ou 15 anos de descanso na adega. Depois desse dia, comecei a ler mais sobre as histórias que acompanham essa cultura enogastronômica e me apaixonei pelo assunto.

Os vinhos de Barolo, região delimitada (DOCG-Denominazione di Origini Controllata e Garantita), são feitos exclusivamente com a uva Nebbiolo, que leva esse nome por causa da névoa típica (nebbia) que cobre a região na época da sua colheita. Por ser uma espécie muito temperamental, com ciclo longo e maturação tardia, adaptou-se muito bem na região noroeste da Itália, aos pés dos Alpes. Pela proximidade da fronteira com a França, adquiriu algumas influências, como o próprio nome da região: Piemonte – Pied-du-mont (pé do monte), vindo de um dialeto piemontês, repleto de palavras gaulesas. Além disso, há relatos que a história da viniviticultura de Barolo se desenvolveu no início do sec.XIX com a contratação de um enólogo francês para melhorar as técnicas usuais, que produziam um vinho adocicado, comum na época. Ele então fez com que essa bebida se tornasse mais seca, ao estilo de Bordeaux. Passou a servido nas mesas da nobreza e caiu nas graças do rei Vittorio Emanuele II.
A partir daí, ganhou fama e continua até nos dias atuais competindo com os maiores do mundo, como os grandes Brunellos, na Itália e na França com os vinhos de Bordeaux e Borgonha. O estilo dos vinhos de Barolo, se caracterizam pela personalidade forte. Como dizem os italianos: “vini dei pensieri” (vinhos de pensamentos). São austeros, complexos, profundos e exigem a total atenção de quem os bebe. Apesar disso, não deixam de acompanhar muito bem uma refeição, característica sempre presente em qualquer vinho italiano.

Barolo landscape

Quando se fala da região delimitada de Barolo, deve-se levar em consideração, além da Nebbiolo que tem seu nome originado da palavra nebbia (névoa) muito comum na região, única casta autorizada, o clima, e também o solo. Trata-se de uma região montanhosa, com suas pequenas colinas, composta basicamente de “marga”, que é uma mistura de argila e calcário. Porém, existe uma diferença entre o lado leste e o lado oeste, que é bem significativa. No lado leste, chamado de Helvético, apresenta maiores quantidades de ferro e é mais avermelhado. Já o lado oeste, chamado de Tortoniano, aparecem mais manganês e magnésio com aparência mais clara. Isso faz grande diferença no resultado final dos vinhos. As parcelas plantadas no solo Helvético, onde localizam-se as comunas de Castiglione Falletto, Serralunga d’Alba e Monforte d’Alba, resultam em vinhos mais austeros, com boa acidez e taninos pronunciados. Pode-se dizer que é um estilo mais tradicional dos vinhos de Barolo. Já as plantações no solo Tortoniano, onde estão localizadas as comunas de La Morra e Barolo, resultam em vinhos mais aromáticos, com taninos mais dóceis, ao estilo mais moderno, que não exigem tanto tempo de guarda.

Aqui, aparece o mesmo conceito de “Crú”, da Borgonha. Isto é, usando as uvas plantadas numa única parcela, para elaborar um vinho, consegue-se a real expressão do terroir. No caso da Borgonha, usam exclusivamente a Pinot Noir e em Barolo, a Nebbiolo. É muito interessante perceber as semelhanças e as diferenças, entre essas gigantes produtoras de vinho, que embora utilizando a mesma filosofia, obtêm resultados tão peculiares! Quanta coisa a ser considerada quando nos deparamos com uma mera taça de vinho! E quando dentro da taça tem um Barolo, a coisa fica séria. No caso desse nosso encontro da confraria, onde ele foi o foco principal, começamos aos poucos, como se pisássemos em ovos.
Começamos como de costume com um espumante para preparar as papilas:

Cava NU Reserva Brut da Bodega Maset
Um Cava, da região da Catalunya, muito fresco, cítrico, com alguns toques florais e final seco na boca.

ROMIO Nero d’Avola Terre Siciliane 2012
Para entrarmos no clima italiano: um vinho leve, com boa acidez e muita fruta (groselhas). No final, aparecem notas defumadas, de tabaco e carvão. O solo vulcânico da Sicilia, se fez presente.

nebbiolo night

Piero Busso Barbaresco Mondino 2008.
Já em território piemontês, a Região de Barbaresco (DOCG) divide com Barolo o título de melhores vinhos produzidos exclusivamente com a Nebbiolo. Muito aromático, floral (violetas), herbáceo, terra úmida, mineral. Acidez, taninos e álcool bem equilibrados. Vinho agradável e gastronômico, que acompanhou muito bem um patê de lebre com tomilho, evidenciando ainda mais as ervas aromáticas.
Depois dessa introdução, já estávamos preparados para os convidados de honra, três Barolos:

O primeiro, do produtor Dezanni – Barolo 2007.
Um estilo mais tradicional ( Serralunga d’Alba ), já com seus 7 anos de amadurecimento, mostrou-se muito fresco, frutado (principalmente frutas negras como ameixa, amoras e cerejas maduras). Madeira bem incorporada aos aromas mais secos de especiarias, como aniz, cacau e tabaco. Taninos presentes e bem equilibrados com a acidez e ótimo corpo.

O segundo, do produtor Cascina Ballarin – Barolo Tre Ciabot 2005.
Estilo mais moderno ( La Morra ), que apesar dos seus 9 anos de maturação, evidenciou um primeiro ataque alcoólico, que pedia um tempo de aeração em decanter. Com o tempo na taça, o álcool se dissipou mostrando os aromas de madeira verde, florais e frutas. Taninos finíssimos e delicados, bem encorpado e acidez equilibrada.

O terceiro, do produtor Pio Cesare – Barolo 2007.
Trata-se de um grande produtor, que possui vários vinhedos espalhados pela região do Piemonte. Esse Barolo, por exemplo é feito com castas provenientes dos arredores de Serralunga d’Alba e de outras regiões. Pode-se dizer que tem um estilo mais moderno, porém evidenciando todas as características tradicionais de Barolo. Aromas muito sutis e delicados. Bom corpo que sustenta muito bem os taninos aveludados e a acidez agradável. Aos poucos, vai mostrando frutas vermelhas e frutas cristalizadas. Algo licoroso, como um bombom de chocolate recheado de licor e cerejas. As especiarias ( alcaçuz, anis ) e os florais ( rosas, violeta, jasmim ) , vão se alternando com notas de chocolate, cacau e um fundo terroso, criando um dinamismo e uma riqueza de sabores que convidam ao próximo gole sem cessar. Um vinho que é pura sedução e nos levou a pedir bis!

Desde aquele meu primeiro encontro com um Barolo há vinte anos atrás, até agora, aprendi muita coisa. Principalmente que os vinhos podem mexer com você, independente do conhecimento que se possa ter sobre eles, ou da qualidade e fama que podem trazer estampado no rótulo. É imprescindível considerar as situações que acompanham aquela taça que está a sua frente. Onde bebemos, com quem compartilhamos, se estamos felizes ou tristes, se faz frio ou calor…….enfim, as variáveis são muitas e com certeza irão interferir naquele momento.
Dizem que o enófilo é uma pessoa que busca reviver sensações, experiências passadas e perdidas no tempo através do vinho. Por isso, ele busca incessantemente em cada garrafa algo que simplesmente deseja reencontrar. Eu, particularmente acho que no fundo torcemos para que nada conhecido seja encontrado. O processo dessa procura é sempre muito mais rico e cativante. Que não nos faltem vinhos!

 

P.S.: A experiência com esses três Barolos que acabo de descrever, me fizeram lembrar de uma música do Chico Buarque, que conta a estória de um encontro de uma mulher (Teresinha), com três amores na sua vida. Lembram? Aquela que diz que o primeiro chegou como quem vem do florista, o segundo chegou como quem chega do bar e o terceiro chegou como quem chega do nada.

Tour Enogastrocultural pela Itália – Parte II

   Está confirmado sairemos dia 12 de Setembro pois dia 13 no final do dia já começamos com nossa programação em Florença. Aliás, na parte I deste curto resumo da programação desenvolvida falei da Toscana, por onde nosso tour se iniciará, porém agora dou sequência ao roteiro, vejam como ficou:

wine&food Logo

   Depois da Toscana disparamos rumo ao Veneto, mais especificamente a Verona onde montamos nossa base para alguns dias deliciosos! A caminho, já que passamos por Modena, não poderíamos deixar de dar uma passada no Museu da Ferrari e admirar uma das outras paixões italianas. No trajeto e tendo em mente nosso compromisso com o movimento Slow Food, pararemos em Rubiera, entre Reggio Emilia e Modena, para almoçar em um restaurante considerado um templo da cozinha Emiliana, gastronomia regional com um menu composto por entrada, prato principal, sobremesa e vinhos tudo no pacote!

   O Veneto e região são de uma riqueza vitivinícola ímpar com enorme diversidade sendo hoje o maior produtor de vinhos na Itália e Verona, Treviso, Padova e Veneza respiram história e cultura. Nós vamos atrás de tudo isso. Valpolicella, Bardolino, Soave, Recioto, Amarone, Prosecco, Grapas, a diversidade é enorme e começaremos nosso roteiro pelas vinícolas visitando a Cesari onde também teremos o prazer de almoçar após degustação e já está no cardápio o seu incrível Amarone Bosan!

   No dia seguinte sairemos para a região de Conegliano – Valdobiadenne, terra dos Proseccos onde conheceremos mais a fundo a elaboração desses espumantes festivos elaborados com a uva Glera, na Mioneto que produz espumantes há mais de 125 anos. Depois, um passeio por Treviso e em seguida vamos descobrir porquê a Pieropan já conquistou por 17 vezes, os 3 “bicchieri” do respeitado guia italiano Gambero Rosso com seus Soaves super especiais elaborados com a uva Garganega.

    Para descansar do Vinho e nos embriagarmos com cultura e história, um dia somente para descobrir a incrível Veneza. Para quem não tenha se satisfeito no dia, temos programados um segundo dia por lá ou, quem preferir, pode passar o dia descansando e descobrindo Verona. Como, no entanto, haverá gente com sede de conhecer mais vinícolas, preparamos um passeio opcional deveras interessante pois visitaremos a região mais saxônica da Itália, o Alto-adige e Trento. Afora conhecer a linda Bolzano cercada pelos Alpes e Trento origem de muitos de nossos patrícios italianos, teremos o prazer de almoçar e conhecer os divinos vinhos da premiadíssima Elena Walch elaborados com uvas diferentes como a Lagrein, Blauburgunder e Muller-Thurgau.

Clipboard Piemonte

    Depois de alguns dias por estas paradas, é hora de partir para o Piemonte e mais um trecho de experiências enogastronomicas de tirar o chapéu! Nosso primeiro destino será o restaurante L’Osteria dell’Arco, fundado em 1986,é o segundo do circuito do Slow Food Osteria, a cozinha inconfundível do restaurante segue as tradições de Langa e Roero com os gostos do paladar atual. O almoço será à base de pratos regionais e Fortalezas Slow Food (produtos que estiveram em risco de extinção que o movimento apoia). Seguimos depois para a Feira Artesanal de Queijos (pouco mais de 3000 metros quadrados com queijos de 12 países) promovida pelo movimento Slow Food em Bra a cada dois anos.

    No dia seguinte, visita à cidade de Alba e ao mítico Pio Cesare, um produtor que é pura história já que produz seus vinhos a poucos metros da praça central desde 1881, e que vinhos! Almoço e visita a um pequeno (somente 45 mil garrafas ano) e marcante produtor Piero Buso.

    Pela manhã do dia seguinte, uma visita com provas na Banca del Vino antes de nos aventurarmos na companhia de um Trifulau numa caçada ás raras e famosas trufas brancas da região sendo que o almoço será á base de pratos com esta iguaria. Para finalizar mais um grande dia, uma visita com degustação à famosa e premiada vinícola de Renato Ratti. Dia cheio esse!

    Finalizaremos nosso roteiro em Turin famosa por seu acervo histórico, cafés antigos e chocolates ímpares e que, obviamente, provaremos. Nosso jantar de despedida se dará no Restaurante Solferino no centro histórico da cidade.

Clipboard Torino

    Chegamos na parte triste desta viagem, a volta! Sim, tudo o que é bom acaba mais rapidamente do que gostaríamos, porém as lembranças, como um bom vinho, certamente ficarão persistentes em nossas memórias! Para quem quiser detalhes da viagem, fico ao dispor, basta me enviar uma solicitação.

   Por hoje é “só”, mas com esta segunda e última parte do roteiro, certamente a semana já será de muito pensar! Salute, kanimambo e esta semana ainda falarei de alguns vinhos e eventos de que participei e valem sua “conferida”!