Riesling e Joelho de Porco (Eisbein)

Eisbein 2Uma dupla alemã de respeito em mais um encontro da Confraria Saca Rolhas na Vino & Sapore. Já testei essa mesma harmonização e o resultado foi igual, sozinho o alsaciano se destaca porém ao chegar o prato o alemão mostra suas garras e essa foi a sensação da maioria. O Eisbein pelas mãos do chef e cozinheiro de mão cheia Ney Laux estava perfeito e o chucrute divino, porém como temos uma porta voz, deixemos a amiga e confreira Raquel Santos dar sua visão e compartilhar conosco suas emoções de mais este experimento.

Assim como todo vinho tem uma história, as parcerias que ele faz com as comidas, incluído como parte das refeições, coloca-o lado a lado na história da alimentação.

Esta experiência, com um Riesling, tão comum aos povos germânicos, pode parecer estranho para nós que temos alguns parâmetros pré estabelecidos, como aquela máxima que diz que vinhos brancos devem combinar com peixes ou comidas mais leves, ou mesmo que são vinhos para dias quentes de verão. Curiosamente, podemos constatar que toda as regiões nos arredores do Alpes, produzem principalmente vinhos elaborados com uvas brancas.

No nordeste da Itália (Trentino-Alto Adige e Friuli-Veneza Giulia) reinam Chardonnay, Pinot Grigio, Pinot Bianco, Sauvignon Blanc, Riesling e Gewürztraminer. Assim como na França (Alsacia), onde faz fronteira com a Alemanha, o Riesling do Reno disputam a maestria na elaboração desse vinho, cada um à sua moda. Além da Suíça e Áustria, com suas variedades locais, também dividem sua situação geográfica e o clima alpino.
A harmonização desses vinhos com as comidas típicas de países frios podem parecer à primeira vista algo inusitado. Quando pensamos nos queijos curados, de massa cremosa, ou nas fondues, nos salsichões e joelhos de porco (Eisbein), chucrute, carnes defumadas e condimentadas, o mais óbvio seria pensar num vinho potente, que ampare a gordura e os sabores marcantes. Pois acreditem: Esse vinho pode ser um Riesling! Neste caso a comida entra com o ataque potente e o vinho vem para apaziguar os ânimos mais exaltados. São leves, refrescantes e limpam o paladar, sem deixarem de ser marcantes.

Começamos o encontro bem dentro dos nossos propósitos:
Um espumante italiano da região de Franciacorta. Próximo à cidade de Bressia, as pés dos Alpes, esse DOCG se notabilizou por produzir os melhores espumantes do pais feito pelo método clássico, com a uva Chardonnay:
1. Lo Sparviere Brut 2007 – Gussali Beretta – 100% Chardonnay
Aromas de pão e biscoito amanteigado. Boa persistência, acidez e corpo. Perlage contínua, que se perde um pouco no final. Tinha uma lembrança de outras provas, tratar-se de um espumante com muita pérlage. Daí pode-se perceber que os vinhos não se comportam igualmente em todas as ocasiões.
Na sequencia seria servido o jantar:

Um eisbein suculento que pareceu ter sido cozido na própria gordura, que foi totalmente retirada depois. Acompanhado de batatas cozidas, chucrute e mostarda.
Para acompanhar o prato, dois vinhos:

2. Eugen Müller – Forst – Kirchenstück – 2012
Riesling alemão, da região do palatinado (Pfalz). No início os aromas são tímidos, mas vão evoluindo com o tempo na taça. Percebe-se a mineralidade do solo argiloso, com ótima acidez, corpo persistente e longo. No final, aparecem nuances cítricas e borracha. Muito elegante. Ficou muito bom com a carne que tinha sabores sutis, defumados e da gordura do cozimento.

3. Gustave Lorentz – Vin d’Alsace – Reserve Riesling – 2010
Riesling francês, da região da Alsacia de cor mais dourada, demonstrando alguma evolução. Denso e perfumado. Aromas florais frutas brancas (peras, maçãs e melão). Na boca parecia bem complexo e equilibrado. A mineralidade típica estava presente, com bom corpo e boa acidez. O envelhecimento tirou-lhe um pouco de frescor, sem comprometer, mas dando-lhe mais seriedade. Final com uma doçura que casou muito bem com o chucrute, feito com cebolas caramelizadas e bacon.

Riesling e eisbein 1

Chegou a hora de partir para a sobremesa, mas o que está se tornando tradição nesses nossos encontros novamente aconteceu! A vontade de abrir uma garrafa extra para tirarmos a “prova dos nove”. E a sugestão foi irrecusável: Que tal mais um vinho branco, italiano do Alto Adige, elaborado por uma uva desconhecida por nós? Já ouviram falar em Kerner? A vontade de conhecer foi unânime e igual a qualquer viagem, que quando passamos pertinho de algum lugar interessante, pensamos: Já que estamos aqui tão perto, não custa nada dar uma passadinha lá, não é mesmo?

4. Kerner 2012 – Stiftskellerei Neustift – Abbazia di Novacella
De vinhedos proveniente do Valle Isarco (DOCG), bem ao norte da Itália, quase na divisa com a Áustria, essa uva foi batizada com o nome do médico e poeta Justino Kerner. Plantada principalmente na Alemanha é um cruzamento da Trollinger (ou Schiava) com a Riesling e adaptou-se bem nesse clima dos Alpes. Muito aromático, como pêssegos em calda, maçãs e cítricos. Na boca é muito encorpado, cheio de frutas tropicais(manga). Sua opulência é quebrada pela acidez bem colocada. É daqueles vinhos que quase dá para mastigar! Comparando com o Riesling, o Kerner tem mais fruta, sem perder o mineral, o floral e as notas cítricas típicas da Riesling.

E para encerrar nosso jantar tivemos uma belíssima Tarte Tatin que harmonizou muito bem com mais um Riesling alemão, da região do Mosel, só que com um grau de doçura maior que os anteriores. Um Spätlese, ou seja, de colheita tardia. As uvas atingem um nível de maturação maior antes da colheita e Tartin e rieslingconsequentemente serão mais doces, e mais alcoólicos. Esse me chamou a atenção pela dosagem alcoólica baixa. Apenas 8%.

5. Grans-Fassian 2007 – Piersporter Goldtröpfchen – Spätlese Riesling
Cor âmbar dourado com aromas frutados e minerais. Na boca mostrou certa untuosidade, com bom corpo e refrescância, devido à boa acidez. Sabores cítricos e muita maçã verde. Equilibrado e elegante.

Como podemos ver, nem sempre um vinho feito com uvas brancas significa falta de estrutura para acompanhar pratos mais consistentes ou mesmo, aquela bebida que “quase” poderia substituir a água nos dias de calor. As combinações que podemos fazer entre vinhos e comidas são infinitas e nunca será uma equação matemática. Por isso eu gosto de humanizar essa minha relação com eles. Imaginem uma conversa entre duas pessoas com pontos de vista diferentes. Quando um entende a questão do outro fica mais fácil chegar a uma conciliação. Isso é harmonização!

Quinta Divina Comemora 1 Ano

Tenho o privilégio de recepcionar mensalmente quatro confrarias e é sempre motivo de muito orgulho poder celebrar mais um ano de vida, neste caso o primeiro, pois de alguma forma isso vem demonstrar que o nosso trabalho está sendo apreciado o que me faz muito feliz já que me dedico a isso com paixão. Na loja as Enoladies (a primeira confraria) irão comemorar quatro anos dentro em breve, a Saca Rolha já completou três, a Vino Paradiso (de harmonização) já passou de dois anos e agora aniversariou a Quinta Divina!

Para comemorar, pedimos ao amigo Ney Laux que nos preparasse um jantar à altura do momento que tentaríamos harmonizar com dois diferentes vinhos. Sempre um espumante para abrir os “trabalhos” e como o jantar seria algo mais tarde, abrimos duas garrafas que tinha para prova como um “esquenta”. Eis minhas impressões.

quinta divina - ano 1

Cava Juve y Camps Vintage Brut Cinta Purpura – Para min é um clássico entre as cavas e nesse patamar de preço (R$120) difícil encontrar coisa melhor. Um espumante que aprecio muito e fez jus a este grupo de confrades tão especial quanto o vinho. Uma bela forma de iniciar o 12º encontro do grupo.

Lagarde Cabernet Franc 2010 – comprovou o que já tinha degustado na Lagarde quando de recente visita. Um belo vinho com muitos anos de vida pela frente, rico, médio corpo para encorpado que depois de um tempo abre muito bem na taça. Decantar por uma meia hora vale a pena e certamente será um vinho que vai para o trono! rs

Benegas Don Tiburcio 2009 – mais um bom vinho que provo da Benegas que prima por seus belos assemblages. Vinho de muita estrutura, denso, complexo, com taninos firmes e madeira bem integrada, frutos negros, um vinho que parece de uma gama mais alta do que é e que também abre bem na taça. Grande potencial de evolução por mais um bom par de anos. Aprovado.

Chegou o Ney, Oba! Como prato um delicioso Goulash de Filé Mignon sobre uma cama de Spaetzel que estava, como sempre, excelente com tempero na medida, a páprica no ponto. Teve gente, não vou falar quem (rs) que repetiu três vezes!! rs Para harmonizar, um teste com dois vinhos; o Lan Reserva 2007 de Rioja e um Loma Larga Syrah 2009 de Casablanca no Chile, dois vinhos de que gosto muito. Cada um reagiu de um jeito à comida o que foi um exercício muito interessante.

  • O Lan (Tempranillo com mazuelo e garnacha) já com sete anos de vida, mostrou algumas gostosas notas de evolução e amaciou o prato formando uma harmonização mais delicada. Um vinho com muita tipicidade que encanta no nariz e na boca.
  • O Loma Larga Syrah de zona fria (Casablanca) com seu perfil mais cheio de especiarias, ótima fruta e acidez algo mais afiada levantou o prato e foi uma explosão de sabores acentuando as especiarias do prato. O Malbec deles leva a fama e é muito bom, porém este Syrah é impressionante!

Duas harmonizações muito boas, questão de gosto, com resultados opostos o que nunca tinha experimentado. Gostei demais! Pensa que terminamos, terminamos não pois ainda estava por chegar a Tarte Tartin (torta de maçã para facilitar) do Ney que é famosa aqui na região da Granja Viana em que ele teve restaurante por 25 anos. Adoro harmonizar este prato com o Anselmann Gewurztraminer Spätlese que nasceu para isso, delicioso! Pode colocar junto com apfelstrudel que é outra ótima harmonização.

Enfim, café para alguns e hora de combinar o próximo encontro e o tema a ser abordado. Mais um delicioso momento de alegria e descontração num encontro de boa gente com boa gastronomia ressaltada por vinhos marcantes, sempre um privilégio! Salute, kanimambo e um ótimo fim de semana para todos. Semana que vem finalizo os posts sobre Mendoza, até lá.

Confraria Vino Paradiso Harmoniza Carne ao Molho Indiano

Participo de diversas confrarias e na Vino  & Sapore hospedamos algumas, sempre um motivo de alegriaCarne Indiana na Vino Paradiso cada uma a seu jeito e com seus objetivos. A “Vino Paradiso”, no entanto, é algo diferente porque é sempre um Desafio que nos é colocado pelo Ney Laux, confrade, amigo e experiente chef de cozinha que há décadas faz a alegria de boa parte dos amantes da boa comida na Granja Viana. Mensalmente ele determina um prato e nós, eu e o também confrade Carlos, corremos atrás dos vinhos que acreditamos possam harmonizar com o prato como no caso de Bacalhau e Vinho e Joelho de Porco com Riesling entre diversos outros incríveis momentos. Na foto, o Ney, sua criação e a Renata que não resistiu aguardar sua vez e já quis atacar o prato do mestre!

Desta feita o desafio foi grande pois, como os amigos já sabem, harmonizar comida indiana com toda a sua complexidade de sabores, aromas e presença forte de especiarias, não é tarefa fácil. O amigo Carlos perdeu, o coitado estava na Toscana (rs), mas de lá deu sua dica, um Syrah australiano deveria dar samba. Bem, certamente esse deveria ser um dos escolhidos, mas que mais já que tradicionalmente brincamos com três vinhos? Pensei num Gewurztraminer, mas não tinha um à altura na loja. Enveredei destemidamente pelos tintos e acabei escolhendo um Zinfandel americano e um Touriga Nacional alentejano. Até o último momento, no entanto, fiquei com o branco na cabeça, achei que ainda seria a melhor opção, até que decidi incluir um quarto vinho nessa experiência, um Paul Mas Viognier 2010 da região do Languedoc.

Antes de falar do resultado, deixa eu falar um pouco do prato que, por sinal e para não perder o costume, estava delicioso e ele, em si, já exigiu uma certa dose de harmonização da parte do Ney. Um prato composto de três partes

1 – Cubos de filé mignon no molho com tomate, cebola, champignon e especiarias (cravo, canela, gengibre, semente de coentro, semente de mostarda, cúrcuma e pimentas).

2 – Chutney – maçã, laranja, passas de uva, gengibre, semente de mostarda e curry

3 – Arroz branco

A carne estava perfeita, rica, porém com a integração das especiarias de forma muito sutil e agradável. O chutney, adoro chutney, estava divino e as especiarias aqui bem mais presente, já o arroz trazia uma certa neutralidade que ajudou muito servindo como liga na harmonização de sabores. Essa complexidade toda reagiu de formas diferentes aos vinhos, pelo menos na minha avaliação, conforme abaixo

Paul Mas Viognier 2010 – uma agradável surpresa que se moldou muito bem ao conjunto (carne/chutney/arroz) dando um frescor especial ao prato e mostrando ter corpo bastante para ‘aguentar” o prato. A meu ver, empatou com o australiano tinto como os melhores no quesito harmonização com o conjunto do prato. De forma diferente, mas ambos muito especiais!

Wente Bayer Ranch Zinfandel 2009 – vinho muito saboroso, frutado e com um final tipicamente adocicado com nuances de especiarias, estas últimas bem sutis. Acompanhou  a carne mas morreu com o chutney. Não foi mal, mas não deixou saudades. Melhor só!

Tatachilla Keystone Syrah/Viognier 2004 – da Austrália, este vinho está em seu ápice e esse corte típico de Cote Rotie (Rhône) casou muito bem com o conjunto do prato. Complexo, especiarias mais marcantes e a Viognier lhe aporta um frescor a mais. Bela opção e aqui segui o conselho do Carlos, bela tacada!

Herdade de São Miguel Touriga Nacional 2010 – do Alentejo, um vinho delicioso, cremoso, bom volume de boca, taninos aveludados bem integrados e fruta no ponto em total equilíbrio. Para mim, olha o sangue falando mais alto, o melhor vinho da noite, porém perdeu na harmonização com o conjunto. Já só com a carne, para mim foi o melhor.

Vinhos 1 na Vino Paradiso

           Mais uma vez o Ney conseguiu se superar e tivemos mais uma noite extremamente agradável. Boa comida, boa bebida e grande companhia, mesmo quando um não esteja nos seus melhores dias, impossível não curtir esses momentos, pois os outros seguram! O restaurante ele fechou, momentaneamente esperamos, mas nós, confrades privilegiados, seguimos tendo a oportunidade de nos deliciarmos com seus pratos deliciosos, gastronomia de autor de primeira e com comida no prato!

É isso gente, nunca deixem de experimentar coisas diferentes, as descobertas são invariavelmente muito interessantes. Salute,  kanimambo  e não esqueçam, a 2º edição do Saturday Night Wine Tasting na Vino & Sapore está chegando, dia 10 de Agosto. Aguardo você, mas garanta antes seu convite.