Uvas Criadas Não Nascidas, as Híbridas

Há “professores” em nossa vinosfera que falam de algo ao redor de 3000 diferentes castas de vitis viníferas próprias para a elaboração de vinhos finos, há quem diga que são 1500, mas por uma questão de reputação, acompanho a Jancis Robinson com suas 1368 uvas sendo usadas comercialmente mundo afora, o resto é folclore, ou não?? Pois bem, com tudo isso por aí, para quê ficar só naquela  dúzia e meia que a maioria conhece?

Recentemente tendo como inspiração uma degustação armada pelo amigo Gil Medeiros, montei uma prova de vinhos elaborados com uvas híbridas em duas confrarias. Em vez de compartilhar os vinhos com os amigos, faço uma introdução a alguma delas e vos convido a explorar seus sabores através dos vinhos com elas elaborados, mas antes uma pergunta; você sabe a origem da Cabernet Sauvignon, uma das principais castas do mundo?

Pois bem, esta também é uma uva hibrida já que ela nasce de um “cruze natural” da Cabernet Franc com Sauvignon Blanc nos idos do século 17 e se tornou famosa no século 18 quando Mouton a plantou em sua região no Médoc, região de Bordeaux. Daí para o mundo foi algo viral!

Muller -Thurgau. Foi Hermann Muller, um botânico suiço, que em 1882 a criou no cantão (condado) suiço de Thurgau. O objetivo, sempre há um, foi tentar desenvolver uma casta que unisse o poder aromático da Riesling com um amadurecimento mais rápido da uva. Muller iniciou seu trabalho tentando mesclar a Riesling com o que ele achava ser a Sylvaner, mas na verdade usou uma uva também hibrida chamada Madelaine Royale (Pinot Blanc com Trollinger) também conhecida como Chasselas ou Gutedel. O resultados são vinhos aromáticos, frescos e leves, especialmente plantado na Alemanha, Áustria, norte da Itália em Trento, Hungria, República Checa e Inglaterra.

Alicante Bouschet. Uma criação que tem a mão de duas gerações de viniculturista, pai e filho. O filho, Henri Bouschet cruzou a Garnacha com a uva Petite Bouschet´(esta criada pelo pai em 1824) na França em 1866. A idéia era chegar numa uva que aportasse cor, estrutura e fosse de maturação rápida para agregar à uva Aramon popular na região lá pelo século 19, mas um pouco rala. Apesar de algum sucesso inicial, esta casta não emplacou na França, porém se deu muito bem em Portugal, especialmente no Alentejo, e na Espanha onde é conhecida como Garnacha Tintoreira pelo aporte de cor que dá aos vinhos. Uva que tradicionalmente gera vinhos de taninos potentes e cor escura que precisam de tempo para mostrar todo seu potencial na taça.

Arinarnoa – Criada na França por Pierre Marcel Durquety em 1956 no sudeste francês com o norte de Espanha (região Basca) é uma casta bastante recente que até pouco tempo atrás se achava fosse um cruzamento de Merlot com Petit Verdot conforme aparece, inclusive, no bom Valduga Identidade Arinarnoa. Na verdade, as uvas que originam esta casta são a Tannat e a Cabernet Sauvignon e se nota bem sua origem; cor escura, taninos marcantes, frutos negros com algumas notas herbáceas. A busca era por uma uva que fosse bem resistente no campo e vigorosa para se adaptar fácil a colheita mecânica. Algo presente no Languedoc-Roussilon, Libano, EUA (Arizona), Uruguai, Argentina e Brasil, mas sempre com produções relativamente pequenas.

Pinotage – Criada na África do Sul pelo professor Perold da universidade de Stellenbosh em 1925, com o intuito de desenvolver uma uva ícone para o país que fosse de maturação cedo e mais resistente a doenças do que seus “pais”, a Pinot Noir e a Cinsault ou Hermitage como era conhecida por lá (não confundir com a região francesa do Rhône). Pinot com Hermitage, nasce a Pinotage que ainda briga para se consolidar como essa uva ícone da região. O alto rendimento e falta de um projeto bem gerenciado criou vinhos aos montes porém de qualidade duvidosa que nem aos locais agradou. Isto vem mudando nos últimos 10/15 anos com uma revigoramento dos vinhedos e questões gerenciais aliada à alta tecnologia embarcada e melhor conhecimento da casta. Vinhos tradicionalmente mais leves e frutados (frutos do bosque negros), marshmallows tostados e um certo toque de borracha queimada que em excesso incomoda e não costuma estar presente nos bons vinhos da região.

Petite Syrah – Também conhecida como Durif, na França e Austrália, foi criada pelo botânico francês Francois Durif em Montpellier por volta de 1860/80. A busca foi por uma uva que fosse mais resistente ao míldio uma doença derivada de um fungo que atingia as plantações da região com bastante intensidade. Para tanto cruzou a Syrah com uma uva regional chamada Peloursin (hoje praticamente extinta na França) criando a Durif que hoje sobrevive basicamente na Austrália, Israel, México (Baja Califórnia) e Sul da França porém com produções bastante reduzidas, não passando (em 2015) de 10 mim acres. Nos EUA foi onde a uva encontrou seu melhor habitat sendo uma casta plantada no Texas, Arizona e Califórnia porém aqui é conhecida como Petite Syrah. Vinhos opacos de tão escuros, taninos forte gerando vinhos bastante robustos e vigorosos, boa fruta e muita especiaria.

Fruto da mão do homem ou da natureza, há muitas outras castas híbridas a explorar como a Marselan, bastante comum por aqui no Rio Grande do Sul, Vidal Blanc, Chambourcin, Traminette, Kerner, Zweigelt e Frontenac entre muitas outras. Como sempre digo por aqui, esse é grande barato de nossa vinosfera, um mundo tão vasto que nunca paramos de aprender e descobrir novas sensações. Explore você também, tenha seu porto seguro mas viaje por outros mares!

Saúde, Kanimambo pela visita e seguimos nos encontrando por aqui ou em qualquer um desses caminhos que o vinho nos leva. Boa semana.