Bordeaux pelo Breno, não Existem Dois sem Três!

 

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         Na 1ª aula, com 7 alunos, fomos ao noroeste de Bordeaux no restaurante Santo Colomba: Margaux, Pauillac, St Estephe.

          Na 2ª, com 8 alunos, fomos ao nordeste da região, sem sair do mesmo restaurante: St Emilion, Lalande Pomerol e Pomerol.

          Nesta 3ª aula, agora com 10 alunos, fomos a Graves, cujas expressões máximas são Haut Brion de Pessac Leognan e D’Yquem de Sauternes, presenças obrigatórias em qualquer lista que conte com os 20 mais importantes vinhos que já se fez.

Graves produz também alguns dos melhores vinhos brancos secos de Bordeaux, no corte clássico da região, Semillon/Sauvignon Blanc. É por isso que em vez dos clássicos quatro vinhos presentes nas aulas anteriores, esta contou com uma degustação mais completa – um grande branco, quatro tintos e dois sauternes!

18 de outubro

Por conta dos vinhos, construímos um cardápio mais abrangente: patê de campagne da Santa Luzia, patê de fígado de pato, figo com presunto cru; arroz de codorna, plateaux de fromage com queijos variados em massa, mas tendo como estrelas máximas dois azuis Roquefort Societé e St Agur e uma grande transgressão > um típico manchego no meio dos franceses, todos importados pela Caseus…

O texto que esquentou a conversa sobre Graves é menos sobre a micro-região e mais sobre Bordeaux como um todo: falamos de custos a partir de uma tabela apresentada no Atlas dos ingleses Hugh Johnson e Jancis Robinson, que comenta inclusive o custo do dinheiro em empréstimos agrícolas, algo – diz o livro – na ordem de 100000 Libras Esterlinas por ano por hectar de vinha, ou – na média – 20 Libras por garrafa nos vinhos mais caros.

As diferenças para produzir uma garrafa de vinho são gritantes entre o custo de um vinho comum e um grand cru, justificando uma parte da diferença de preço que cada um chega ao mercado, além dos princípios que regem o mercado em geral, a saber, Procura X Oferta.

Me permito copiar alguns dados que impressionam nas tabelas – enquanto um genérico Bordeaux AC, tem 3330/h vinhas plantadas, um chateaux do Médoc típico bem administrado planta 6500/h, contra 7800/h para um Cru Classé. Muito madeira nova nos últimos, nenhuma madeira nos primeiros. No fim da tabela as conclusões são acachapantes – o custo total por hectolitro do vinho mais simples é de 87 Euros, enquanto que os típicos de Médoc tem um custo médio de 488 Euros, contra 1050 Euros do fruto de Cru Classé. Na garrafa isso vale 0.65 Euros, contra 3.66 Euros, contra, finalmente, 7.88!

Ora, mesmo que 7.88 estejam longe dos 150 Euros que o cru classe pode custar no mercado, vemos que as diferenças de preço são medianamente justificadas…

Continuamos conversando sobre Pessac Leognan, seu solo de muito cascalho e grande aridez, sua receita próxima dos vinhos de Médoc, sua capacidade de produzir bons vinhos brancos, às vezes superiores aos tintos, como disse mais acima.

Por conta disso, L’Esprit Chevalier 2007 branco foi para mesa para enfrentar os patês, o presunto cru e o figo. Um vinho cujo custo no Brasil gira em torno dos R$250,00, caro demais para um consumidor que não está acostumado a investir mais de R$40,00 num vinho branco.

Depois dele, um surpreendente ‘Bois Pertuis 2006’, custando em torno de R$75,00, totalmente fora do grupo, mas mostrando toda a raça de um autêntico Pape Clement – um ícone – do alto de seus 68% de merlot, 22% de C.Sauvignon e o resto em C.Franc, muito bem avaliado pelo grupo que adorou saber seu preço, pois gostou demais do resultado na taça!

Chateau D’Eyran 2004 teve a honra de inaugurar a harmonização com o arroz de codorna, um prato delicado e pouco gorduroso, que sentiu um pouco o baque do vinho, sempre alcoólico, mas, equilibrado, com os taninos bem domados! Apesar de não ter sido o grande campeão da noite, chegou em primeiro para um dos alunos e em segundo para outro. 50%C.Sauvignon, 45% merlot e 5% de Petit Verdot, com um ano de descanso em madeira, após uma colheita manual e vinificação tradicional, produz algo em torno de 80 mil garrafas/ano entre ele e seu segundo vinho. E apesar de ser igualmente um vinho abaixo do preço referência (R$200,00 no mercado brasileiro para o consumidor final), comportou-se com galhardia.

O próximo a se apresentar, sempre tendo a companhia do arroz de codorna, foi o Chateaux Haut Bergey 2005, que se mostrou ainda mais concentrado, inclusive no preço: R$280,00! Com 16 meses de guarda em madeira (50% nova) e com sua constituição estruturada sobre Merlot e C.Sauvignon ele empatou com o campeão em preferências, perdendo apenas na contagem dos segundos lugares de cada um!

E que vinho, este Haut Bergey. Perdeu para um Smith Haut Lafitte, o grande campeão da noite, talvez não apenas pelo líquido, mas pelo rótulo, porque a única coisa que fiz até agora foi esconder o preço de cada, sem me preocupar em ocultar os rótulos… E como o Smith é facilmente memorável pelo nome inglês e faz parte da maioria da lista de grandes vinhos da região, é possível que seja inconscientemente mais “aspiracional” pelo degustador.

Mas independente de qualquer outra consideração, o Smith, com seu corte favorecendo a C.Sauvignon sobre Merlot e C.Franc, com seus 18 meses de madeira – sendo que 80% renovada – impressiona pelo mix tão típico da região, entre a grande concentração e a grande delicadeza! Trata-se, sem dúvida, do milagre que faz o bom vinho em toda a sua essência, sem recorrer a excesso de álcool ou a qualquer recurso perfumístico – contido no nariz, extraordinário na complexidade. Considere-se tudo isso e mais algo que só dá para sugerir numa degustação – seu poder de envelhecimento de algo além dos trinta anos, o que lhe confere ainda mais valor!

Achei que não teria melhor momento para apresentar Sauterne do que este. O prato com os queijos foi dividido entre os vinhos tintos que restaram em cada taça – pela disciplina que adquirimos na prática de reservar as amostras até o fim – e duas meias garrafas de brotirizados, um mais simples que é importado e comercializado na Santa Luzia, o C. Chante L’Oiseau e custou R$50,00 e um outro que vem pela Grand Cru, o Carmes de Rieussec que custa R$97,00.

Talvez por conta do grupo não ser muito habituado a vinhos de sobremesa em geral e por estarem todos mais preparados para uma degustação com vinhos tintos, os Sauternes não empolgaram, mesmo depois que chegou a sobremesa propriamente dita, manga grelhada com sorvetes artesanais de frutas do norte e nordeste. Anyway, a preferência recaiu sobre o mais simples, menos untuoso e menos doce, o Chante L’Oiseau, um pássaro que célere cantando, voou…

Dito tudo, os tintos foram todos muito bem avaliados, com ao menos 3 indicações de preferência entre primeiro e segundo lugares. Por isso, o campeão de fato talvez não tenha sido o eleito pela maioria e sim o vinho mais barato de todos, quatro vezes mais acessível, um verdadeiro ‘Vinho Inteligente’ – o Bois Pertuis que empolgou a todos, mesmo comparado com os outros!

Até a próxima.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado