O Retorno do Breno – Aula de Bordeaux

breno3

O amigo leitor Ricardo Brito cobrou e eu fui atrás do Breno. Sim, faz tempo que ele sumiu daqui do blog, mas agora retornará, também aos Sábados, a principio uma vez por mês com o relato de algumas aulas/degustação que ele está promovendo, mas não só, já que o espaço está aberto para o que lhe der na telha. Por falar em “dar na telha”, sumi com o post de ontem “garimpando Itália’ pois devido a problemas com a internet e ausência de sinal do speedy, a matéria ficou pela metade sem comentários e outras informações. Semana que vem publico de novo, sorry.

23 de agosto – A aula vai começar em pouco menos de uma hora. São 7 alunos e confesso um certo nervosismo na experiência, por ser ela – quem sabe – a mais difícil que já tive. Quanta ousadia a minha, propor 5 encontros, um a cada terceira segunda-feira do mês, sempre com vinhos Bordeaux, sempre 4 de cada vez.

                No primeiro encontro o lado alto do Médoc; no segundo o sudeste com Saint Emilion, Lalande e Pomerol; no terceiro o lado Graves da região; no quarto juntar o que ficou muito mancante e finalizar com um quinto encontro que reúna o melhor de tudo que se viu nos anteriores. Não me deixa nervoso os novos e muito menos os velhos alunos. Não me assusta o serviço e a harmonização, estes itens estão nas bravas e experientes mãos do Alencar do Santo Colomba, um cara que passou a vida harmonizando sua origem pobre com a vontade de aprender, equilibrando a ambição de melhorar na vida, com a memória malufiana, o talento e a picardia.

               Assusta Bordeaux, que é a região que mais produz disparidades em todo o mundo. Me pelo de medo com esta grandiosidade que constrói uma pirâmide de vinhos cruel, onde no topo fica o Olimpo – absolutamente inatingível – no centro apenas a média e na base, vinhos abaixo disso. Em outras palavras, Bordeaux é sinônimo de expectativa, portanto, passível de frustração. Ícone máximo do vinho, origem do mercado mundial, objeto de desejo de todo bon vivant do Século das Luzes, mantém-se no topo da mente até hoje, vive num misto de qualidades e imagem, que não mais impressiona como costumava impressionar, já que esta geração atual de bebedores de vinho entra no mundo do vinho pela porta do sabor muito mais adocicado, típico das degustações, sem compromisso com a gastronomia e normalmente produzido no Novo Mundo.

             Assusta o meu plano de trabalho: vinhos acessíveis (?!), na faixa dos R$200,00 por garrafa. Se fossem vinhos de R$2000,00 estaria bem mais tranqüilo (ehehehe). Explico para quem precisa explicação – Para Bordeaux, vinhos que custam este preço no Brasil R$200,00 estão um pouco além do mata-burro regional. Os grandes campeões custam dezenas de vezes mais do que os R$200,00, enquanto que os segundos vinhos das grandes casas (Chateaux) e as classificações abaixo chegam muitas e muitas vezes acima deste valor. Cito como exemplo ao acaso > um Chateau Ausone St Emilion, o grande cru da região – o único que rivaliza com o Cheval Blanc – custa a partir de 500E no negociante da região. Seu segundo vinho sai em torno de 200E e o seu terceiro sai a partir de algo em torno dos 85E. Estes 85E, traduzidos para o consumidor brasileiro, significa algo como R$1200,00 na loja. Portanto, um vinho de R$200,00 custa 6 vezes menos do que o terceiro vinho Ausone, que custa 3 vezes menos do que o segundo vinho da casa, que, por sua vez, custa 2 a 3 vezes menos do que o grande ícone!

              Como nos sairemos? Teoricamente, escolhi vinhos por este preço porque já atingem tudo da tradição técnica dos grandes e podem desempenhar papel relevante, surpreender representar dignamente sua região. Alguns deles apenas barateiam o processo naquilo que não me parece fundamental no resultado final, como, por exemplo, o descanso que se dá a determinados produtos em barris de aço, depois dos 18 meses em madeira de primeiro uso, no lugar do estágio em garrafa usual.

24 de agosto – Acordei mais tranqüilo. A minha parte foi boa, medianamente clara e ilustrativa (até onde dá para ser numa aula/jantar), com um mimo em forma de um espumante de boas-vindas (o belo Bulle nº1 rosé), com tabelas de safra, com preços de vinhos da região, com mapas de localização, com fichas técnicas de cada um dos produtos. A comida e o serviço do Alencar e a gentileza (arrematou o jantar servindo um Porto Vintage 20 anos) estavam no nível esperado, por mais que o ponto do sal do molho do cordeiro sobressaiu-se e se fez sentir, ao contrário da polenta de escargot que estava corretíssima.

             Para meu alívio e gáudio da torcida, os vinhos também se saíram bem:–

O primeiro deles não tanto, apesar do bom começo. Foi o Saint Julien Peymartin (importado pela Decanter), segundo vinho do Chateau Glória, do domaine Henry Martin. Apesar da confusão que esta cadeia proprietária produz na gente que não conhece todos estes nomes – pois já dá um nó no raciocínio pensar que se trata de um segundo vinho de um outro (???) que, por sua vez, pertence a um grupo muito maior e significativo – do ponto de vista da concentração de capital tudo é claro, nada é novo ou surpreendente. É mais ou menos como o Dodge que pertence a GM, do mesmo jeito que o Chevrolet, que tem na linha o Meriva, o Vectra, o Corsa etc. Foi muito bem enquanto esteve sozinho na mesa, mas abertas as outras garrafas não resistiu à confrontação. Perdeu para os dois Margaux e para o Paulliac nos quesitos potência, complexidade e majestade. E ficou atrás também no domínio dos taninos e na permanência. Ou seja, quem perdeu não foi o vinho, mas o professor que o colocou numa comparação desigual, apesar do cuidado de comprar garrafas do mesmo preço. Aceito minha parte da responsabilidade, no entanto, acreditei que se sairia bem do mesmo jeito que já vi o Chateau Beaucaillou – o mais forte representante Saint Julien – sair-se bem quando confrontado não importa contra quem!

               Os outros vinhos, Colombier Monpelou, Bouquet de Montbrison e Cordieu Margaux disputaram palmo a palmo a preferência dos participantes. No fim o Cordier ficou com 3 dos 7 votos, enquanto que o Monpelou arrebatou os outros 4. O Bouquet de Montbrison foi igualmente bem avaliado, mas ao perder na comparação do seu colega de região, ficou na semi-final contra o campeão de todas as etapas, o Colombier Monpelou, um vinho que – entre outras boas referências – aparece como líder em vendas por internet de Grand Crus franceses em Portugal.

Entre mortos e feridos todos se viraram muito bem! Veremos como será o nosso próximo capítulo, aguardem!

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado