Reflexões do Fundo do Copo – Turismo e as Uvas.

brenoMais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção Categorias

Já vou avisando, se você quer trazer um presente pra mim de sua viagem à Eslovenia, Grécia, Marrocos, Alto Adige, Languedoc, Portugal, Espanha e tantos outros lugares que produzem vinhos autóctones, não me traga um vinho feito das uvas ditas internacionais porque sou capaz de reagir mal, como fiz recentemente, apesar das excelentes intenções de quem me presenteou. Ora, não é prioritário saber se os produtores destes lugares inóspitos são capazes de imitar os varietais reproduzidos ad nauseam por todos que fazem vinho. Pode até ser legal comparar um cabernet sauvignon grego com um do Chile, mas é pouco, a não ser que seja um vinho tão surpreendentemente bem feito, que concorre em qualidade com os melhores do mundo feitos com esta uva. Afinal foi assim com o Grange australiano na década de 80, não é?

A Eslovenia produz um tal de Cvicek rosado e um tinto poderoso, o Modra Frankinja que gostaria imensamente de conhecer. A Grécia teve sua fama manchada por décadas pelo quase intragável Retsina, mas está recuperando uma posição mais digna no mundo do vinho, produzindo vinhos não resinados com a variedade própria para isso, a Savatiano, mas não apenas ela e nem exclusivamente as chardonnay e chenin blanc da vida. Do Marrocos, traga-me um vinho que lembre o cuscous do Magreb, aquele vinho que já foi importante antes que o mundo norte-africano se tornasse anti-alcoólico por razões de Estado, lá pelo fim da segunda guerra mundial. Um vinho à base de Grenache Noir de Meknes, que não é exatamente autóctone, uva francesa que a Grenache (aliás, espanhola, guernacha), mas se explica pela dominação colonial exercida pela França por séculos.

Falando em Grenache, não sabe o que me trazer do sul da França? Divirta-se com algum vinho Tolosan, um Ugni Blanc de qualidade, por exemplo, algo que custe em torno de 10€ e que por aqui sai um montão de dinheiro. Ah, mas você vai pra Itália e quer trazer um grande vinho, coisa que ninguém vende por aqui. Ué, a Enotria grega tem a oferecer coisas diferentes e boas em todas as partes, apesar de muitos dos nossos connaiseurs acharem que todo vinho italiano é igual. Por exemplo, no alto nordeste tem o Teroldego, uva que muitos produtores brasileiros estão cultivando com relativo sucesso. O Langhe Nebbiolo é vinho que eu tem me dado muitas surpresas agradáveis, porque tem menos da metade do tempo de guarda dos grandes nebbiolos e está se saindo muito bem. O Grignolino tantas vezes esquecido entre os nobres do Piemonte, um Dolcetto em ascensão no mercado mundial. Isso para não sair do norte, porque o centro e o sul reservam tantas aventuras já reconhecidas e outras nem tanto. Traga-se um sangiovese da Emilia Romagna, um que me surpreenda pela qualidade e pela elegância.

Por exemplo, se quiser me fazer sorrir de alegria, traga-me um Pinero do Cà Del Bosco da Franciacorta, um vinho que inexplicavelmente não mais chegou ao Brasil pela Mistral, como costumava acontecer. Traga-me um bom Aglianico, um Montepulciano D’Abruzzo que não seja esta água com açúcar que se importa para o Brasil. Mas se você vai para a Espanha, o pedido é simples, carregue consigo um Verdejo de Rueda, um branco que compete em frescor e acidez com o melhor Sauvignon Blanc e que as importadoras não conseguem impor no Brasil.

Já para Portugal, o pedido é bem de ignorante – quero um Baga cortado com um vinho mais perfumado, pode ser até um Shiraz, visto que os nossos ex-colonizadores andam fazendo maravilhas com tal cepa. Pode ser então um achado de uma garrafa perdida do já falido Douro CRF, o vinho que me fez história, como já tive oportunidade de contar, um vinho que tomei em 1978, colhido em 1948, engarrafado em 1952. Por ela, pagaria duas vezes o que custou. Traga-me então um Alfrocheiro, um Antão Vaz, mesmo um corte do Douro, uma garrafeira do Dão. E por favor, não me traga da Argentina o melhor Malbec nem do Chile o melhor Carmenèrre. Prefiro um Pinot Noir do Vale Casablanca (EQ do Matetic, por exemplo) e um bom corte de Mendoza (San Felician, Malbec+C.Sauvignon, por exemplo, um vinho que a Catena não exporta).

Da Califórnia, aceito com prazer um Zinfandel, da África do Sul um Pinotage, por que não? Da Austrália um Shiraz/Cabernet Sauvignon, vinho de referência deste corte que juntou o oeste (Shiraz) e o leste (Cabernet Sauvignon) da França, numa junção que os franceses jamais tentaram antes. Da Nova Zelândia pode ser o que você quiser, conheço tão pouco que qualquer um dos bons vinhos serve.

Estamos conversados?

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR