Reflexões do Fundo do Copo – A Madeira de Lei no Vinho.

breno3Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

Participei de uma degustação, com vários jornalistas de prestigio, em que a Lidio Carraro apresentava uma segunda linha de vinhos que não tem o nome Lidio Carraro no rótulo. Entre eles o Elo, um vinho 20% malbec, 80% cabernet sauvignon. Gosto, pergunto para o enólogo se um vinho equilibrado como este não estava a merecer uma versão com passagem em madeira para lhe dar mais elegância, sei lá, mais guarda. Silêncio, mal estar, cochichos. Por acaso não sabe o interrogante que a Lidio não trabalha com madeira, respondem com os olhos os indignados presentes? Fiz a pergunta, mas deveria calar e ficar a pensar com os meus botões. Estava dando tratos à bola, com as denominações espanholas na cachola, que – ao modo de tantas outras européias – vão enobrecendo o rótulo de seus vinhos conforme o tempo de guarda – de Crianza para Reserva e depois para Gran Reserva.

Uma das maiores invenções do mundo do vinho depois da uva, do carvalho e do enxerto americano é a micro-oxigenação. A uva entra com o suco e com seu levedo Saccharomyces, responsável pelo milagre da transformação do suco de uva em vinho. O carvalho vem com toda aquela pompa e circunstância de quem nasceu em berço esplêndido dos bosques bordoleses e conviveu com praticamente todos os grandes vinhos que chegaram aos nossos tempos. O enxerto viabilizou o negócio agroindustrial do vinho moderno apesar da filoxera, uma praga que dizimou os pés de videira de tudo quanto é produtor longe do Pacífico. A micro-oxigenação substitui com rapidez o processo de amaciar taninos rebeldes sem recorrer a um recipiente caro e raro como é o barril de madeira. E mais, acrescente chips de compensado de madeira com essência de carvalho e pronto, temos um vinho com os aromas e a maturidade do vinho que todos esperamos.

Neste jogo de verdade e mentira, os vinicultores andam fazendo de tudo para acelerar o momento de engarrafar seus preciosos produtos. Também pudera, em menos de cinco anos vinhos como o Brunello de Montalcino toscano passou de vendas na ordem de 800mil garrafas ao ano para 5 milhões; em menos de 10 anos a Austrália passou a utilizar o dobro de hectares para o eno-negócio! Sem falar que o vinho reconquistou espaços por décadas abandonados para o plantio da uva e descobriu milhares de hectares novos para esta prática. No Brasil do Vale do São Francisco, de São Joaquim e da Campanha. Na Itália da Puglia e da Umbria, que sempre produziram, mas não de modo tão capitalizado. Na Eslovenia, em Israel, no Líbano, na Colombia etc.

Madeira e fruta trabalhada em geléia. Este foi o objetivo do negócio novomundista do vinho nos últimos tempos, dignas exceções feitas. Agora vemos um movimento para tirar o gosto de madeira do vinho, no típico exercício pendular que rege a moda. Primeiro muito madeira, agora não. Expulsar da garrafa os taninos da madeira, é o up to date do vinho! O carvalho domina os taninos do vinho desde que os celtas começaram a misturar o líquido e a madeira de lei, algo como 1500 a.c. Certamente eles não fizeram uma pesquisa científica para ver qual era a madeira que melhor servia para substituir a ânfora no acondicionar o vinho. Pegaram a que tinham em mãos sem qualquer preocupação com o ecossistema ou a finitude dos elementos e iniciaram este casamento consagrado por todas as adegas do mundo, um processo que só agora está sendo contestado. Contestado por abuso e mau uso, evidentemente.

barrisVinhos muito ariscos como os nebiollo, sangiovese e alguns outros, que mesmo depois de cinco anos de descanso entre madeira e garrafa precisam oxigenar algumas horas, estão sendo contestados sim. O modelo, mais uma vez, é o de Bordeaux, espécie de estrela-guia para o vinho. 18 meses de barrica, guarda infinita, de preferência mais de 10 anos. Mas quando pensei em voz alta sobre a madeira para aquele bom vinho, pensei numa madeira menos vibrante, nada oxidado como os velhos espanhóis que merecem ser esquecidos nem tão cheios deste enjoado gosto duvidoso como o que se tem neste Cabernet Sauvignon reserva do Robert Mondavi, ícone do vinho do Novo Mundo.

Clos Ouvert é o nome de uma pequena produtora chilena de um francês que compra as uvas e vinifica sempre a partir de tonéis de carvalho francês com 3 usos, seguindo uma tradição de vinhos caseiros, muito antiga. Os vinhos dele são bons, à vezes melhores do que a grande maioria dos vinhos badalados do Chile e da Argentina, porque a madeira e seu sabor só se percebem lá no fundo. Acho legal, eu aceito o argumento. O nebbiolo 2002 da família Bettù que não passa por madeira é prova concreta que os caminhos que levam ao paraíso do vinho não passam obrigatoriamente pela madeira. Todo Chablis cru não passa por madeira, é ótimo e é longevo pra danar. Mas como diria Paulinho da Vila, em dia de nevoeiro é bom levar o barco devagar.

 

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR