Reflexões do Fundo do Copo – Degustando Brasileiros

breno2Mais um delicioso texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Coluna do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias. Oops, mas hoje não é Sábado! Não mesmo, só corrigindo uma falha de comunicação no ultimo Sábado em que o post não foi publicado e depois, coisa boa não tem hora nem dia!!

 

Na lousa ao lado da cozinha traço um quadriculado para avaliação de 20 vinhos, 6 de até R$50,00, 8 entre R$50,00 e R$90,00, 6 de mais de R$90,00. Somos 14 degustadores, pagamos nossa experiência de vida com calvície aparente ou cabelo agrisalhado entre o sal e a pimenta do reino; todos somos bebedores de vinho desde criancinha, todos com experiências de vida internacionais, sendo que o mais bobinho passou um ano nas européias, e os menos bobinhos viveram algo como 6 anos fora daqui. Todos se mantêm em contato com o mundo, seja por atividades comerciais, seja por atividades acadêmicas ou de consultoria. Apenas 3 mulheres estão presentes nesta maratona de copos, uma falha machista, deste que convocou a reunião. Pretendemos passar algumas horas decidindo, na taça, o rumo do vinho tinto brasileiro – se ele finalmente se acomoda na sua faixa que vai do totalmente medíocre até o bonzinho ou se ele pode pretender mais e atingir a superação desta percepção generalizada.

Faço as honras da casa, mostro que – no mínimo – muita coisa acontece nos últimos anos no mundo do vinho brasileiro. Começo por dizer que até pouco tempo compartilhava da mesma sensação de que o vinho brasileiro teria vocação para ser um produto de segunda, seja por causa das chuvas de Janeiro/Fevereiro, seja porque o bom vinho brasileiro é e sempre será o espumante, seja porque o Vale do Vinhedo está interessado mesmo em produzir suco de uva e destilado… Sei lá o porquê! Digo que a percepção está mudando e estamos começando a nos entusiasmar com nosso potencial. Formadores de opinião importantes como a Jancis Robison e outros começam a falar com simpatia deles. Aponto para uma lista de prêmios internacionais que estes vinhos brasileiros têm recebido em todas as partes do mundo, diante de todos os públicos, inclusive na França, Itália e Argentina.

Nosso vinho não é mais somente advindo de novas gerações das velhas vinhas de sempre, no Vale do Vinhedo. Aliás, estas já são formadas pelos netos e bisnetos dos primeiros imigrantes, gente formada em enologia, em engenharia agrícola, muito distante da romântica imagem dos colonos do Vale, apenas trabalhadores da terra em geral, imigrantes sem cultura. Chamo a atenção para o que acontece nas bordas do Vale, para os lados de Flores da Cunha e para outros cantos inesperados, como Garibaldi, tradicionalmente ligado aos espumantes. Apresento a diversificação do vinho tinto nacional, que pulula agora nas promissoras regiões da Campanha, em Sta. Catarina e Paraná, além do surpreendente Vale do São Francisco. Diversificação que começa pela origem de capital, nada a ver com o mundo do vinho… Origem esta que se mescla entre gente da construção civil, gente do negócio da distribuição de gasolina, enólogos que investem em novas dinâmicas produtiva; diversificação nos objetivos financeiros, mas igual procura pela excelência. Digo dos simpósios sobre o negócio do vinho no Estado de Santa Catarina, com a presença de gente formada em Bordeaux. Falo dos profissionais do defeito do vinho, que fiscalizam com mais rigor as falcatruas de antão. Digo que o vinho – a partir do crescimento de mercado entre a moçada urbana – vai se tornando o principal acompanhamento dos jantares em restaurantes, como é em tantos outros países e que isso incentiva demais o espírito de competição capitalista de quem está neste negócio, apesar dos custos ainda serem altos demais. Tudo muito distante do consumidor dos produtos de garrafão, nos tempos áureos das cepas americanas Santa Isabel e Bordô, quando o Sangue de Boi reinava.

Falo para incrédulos, a grande maioria do universo da degustação, gente acostumada a beber vinho de R$50,00 a garrafa para cima. Gente que sempre quer saber o que há de novo no mundo do vinho, mas que pouco olha para o que se faz aqui. A degustação nem começa e alguém contesta o método, diz que não vai conseguir chegar nos melhores e mais caros, ficará bêbado e sem critério, não é profissional. A choradeira então se espalha, todos querem menos para terem um melhor resultado. Decido sacrificar uns tantos pelos seguintes critérios – facilidades de mercado e distribuição e preço: os menos conhecidos e mais caros ficam.

Do primeiro grupo, dentre os mais baratos, o Fabian Assemblage ganha na boca e o Cordilheira de Sant’Ana Cabernet Sauvignon, ganha no buquê. Do segundo grupo, nenhum decepciona totalmente, mas nenhum empolga, talvez pela ansiedade de atacar os grandes reservas. Aqui, vale o comentário de que os incrédulos param de resistir na medida em que sirvo o “Castas Portuguesas” do Miolo, em parte porque a novidade em ver um vinho português feito (e bem feito) no Brasil surpreende muito. Em parte também – é possível notar – os apreciadores de vinho com uvas do tipo Touriga Nacional são muitos entre nós. Mas principalmente porque o desfile de Cabernets Sauvignons varietais ou no máximo cortados com merlots medianos é um pouco tedioso e a novidade nas uvas salta, cria destaque.

Lamento não ter trazido vinhos como o Tempranillo do Lidio Carraro, o Angheben com Teróldego, o Pinot Noir do Mauricio Ribeiro de Flores da Cunha, o Marselan do Bettù, o Nebbiolo dele e de outros, diversificações na pesquisa de produção e aceitação de mercado. Lamento não ter eleito os Tanat como o da Cordilheira de Sant’Ana, uma casa que foi extremamente bem avaliada, até porque, servi, antes de começar a degustação o seu surpreendente Gewurstraminer, vinho que foi comentado por muitos até as despedidas do fim do encontro. 

No grande final estão o Top do Boscato (enquanto ele não põe o seu Anima Vitis nas ruas), o Miolo Merlot de cepas escolhidas (que impressiona até pelo porte da garrafa), o orgulhoso Argenta Merlot, os cortes da Vila Francioni – o Francesco e o Família – para finalmente chegarmos no artesanal Bordalês C.

As opiniões se dividem, mas o ambiente, as honras do casal que nos acolhe maravilhosamente deixam qualquer debate atenuado e amistoso. O pesquisador da inovação prefere os cortados e vai embora impressionado com a qualidade dos vinhos que provou, convencido que há vinhos de qualidade no Brasil e que vale influenciar os mais influentes políticos que conhece para a causa do vinho tinto. O empresário da pesquisa, divide as atenções com o jogo São Paulo X Fluminense que desclassificaria o tricolor paulista para a “Libertadores da América”, mas sai bem impressionado com as novidades. O consultor fala entusiasmado do que experimentou e promete agir para contribuir com a melhora da imagem do vinho tinto nacional. Os três chefs de cozinha presentes, discutem a cepa que haverá de se tornar o nosso emblema de mercado. O empresário-músico profissional pergunta mais detalhes sobre os da primeira turma, surpreso pela relação custo-benefício que apresentou. O responsável pela telefonia digital de uma multinacional, está um pouco pasmo, sem conseguir finalizar uma impressão de qualidade, pois até o meio da degustação – como boa parte dos presentes – não trocaria seus bons argentinos por qualquer um daqueles que haviam sido provados. O ex-diretor financeiro de um dos maiores grupos de supermercado do país – talvez o mais experiente degustador de toda da turma – lamenta a ausência da uva mais significativa entre as mundiais, no seu entender, a Syrah.

No fim, uma salva de palmas pela minha iniciativa. No fim, uma salva de palmas para o vinho tinto nacional.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR