Breno Raigorodsky

Uma Carta do Breno direto de Flores da Cunha

O amigo Breno Raigorodsky volta e meia ainda nos brinda com algumas participações primorosas como com esta “carta-mail” recebida dele há poucos dias, durante sua entusiasmada visita á vinícola Luiz Argenta, que agora compartilho com vocês. Me deu água na boca, tenho que confessar, e certamente me despertou o interesse de uma visita numa  próxima viagem à reunião.

           João, é bom saber que há vida inteligente correndo solto nas velhas veias da enologia. É a segunda visita que faço para o Deunir Argenta, a primeira foi por ocasião do curso de juiz de vinho internacional que cometi em Flores, anos atrás. Esta segunda se dá com a torre de vinificação por gravidade, em atividade quase que completa e com um enólogo novo, o Edegar, quase que completo também.

             Foi considerado recentemente por uma revista do mercado como uma das 10 vinícolas mais bonitas do mundo. De fato, tem o seu encanto na terra e por estar solidamente arqutitetada e calcada numa rocha que se faz parede interna. Tem o seu encanto no apuro técnico e tecnológico e principalmente em seus 55 hectares de terras apropriadamente onduladas. Fui conversar sobre aquele velho plano de um encontro sobre vinho brasileiro em terras mais centrais, SP, BH ou RJ, o que daria um cunho mais brasileiro e menos regional a um encontro que fosse feito no sul.

            Acabei sendo convencido que no pólo de Flores da Cunha/Nova Pádua, pratica-se alguns dos melhores vinhos do país, só para ser modesto e não dizer do Novo Mundo. O cuvée Luiz Argenta, um corte fifty/fifty de CS e Merlot, com 14 meses de barrica nova de madeira francesa meia tostada, com IPT de 78 e 13,5% de álcool é um monumento, como são outros bravos brasileiros tintos como o Anima Vitis, o Storia, o Nebiollo Bettù, o Francesco, Lote 43 e alguns outros poucos.

            Terra fortalecida, terra das primeiras vitiviníferas brasileiras, terra da gloriosa Granja União, que tive o prazer de encontrar sendo vendido num armazenzinho numa rua atrás do Parc Montsouris de Paris, nos idos de 1973, no mais precoce esforço de exportação do vinho brasileiro (concorria em condições de preço com os fortes vinhos da Argélia). João, experimente o rosé dos caras. Tem um corte exótico de CS, Merlot, CF e Shiraz, com uma cor bem feminina, que te faz esperar um melado em vinho… Mas, surpresa! Afora a falta de acidez final – o que me desagradou – o vinho é “bão demais” na boca.

           E, tirando os conhecidos e consagrados grandes Merlot e C.Sauvignon, obrigatórios em qualquer degustação de excelência entre os vinhos que se faz nesta terra canarinho, tive na boca dois vinhos que considerei improntos: um cabernet franc oxidado no nariz, ótimo na boca e um merlot tirado de pipeta de uma barriquinha de 60litros. Deste Merlot, te digo, o cara tem 110 de IPT, 10g de açúcar residual, 16,5% de álcool. É fruto de 360kg de fruta que se tornaram 60litros!!! Entrou na barrica em 2009 e vai ficar um pouco mais lá, até ser engarrafado e descansar mais algo como dois anos, para ganhar seu buquê final, porque a boca é de uma finèsse que só se encontra nos grandes Amarones.

Salute Breno e kanimambo pela colaboração

Reflexões do Fundo do Copo – Em 2010, Conheça com Moderação

breno3              Entrei no ano com pensamentos sombrios. Seis horas da manhã de primeiro de Janeiro de 2010 e acordo suado, percebendo que o mundo ficou mais apertado. Levanto da cama num pulo, como se precisasse correr para que as paredes não se fechassem sobre mim. Tive medo de um mal conhecido e identificado, chamado vulgarmente de “especialidade”. Não sei bem como e quanto lutar, nem sei bem contra o que lutar.

             Especialidade, diz o dicionário Priberam da Lingua Portuguesa, é “parte de um trabalho ou de uma profissão a que alguém se dedica exclusiva ou particularmente”. Pois não quero me dedicar exclusivamente a nada, mas, apesar disso, ando tendo crises de especialidade! Entrei de cabeça no mundo do vinho. 2009 foi um ano que fiquei o tempo todo pensando no vinho que vou tomar, no vinho que vou descobrir, no vinho que vou recomendar, naquele que devo estudar para melhor explicar numa dessas aulas por ai.

            Para isso, deixei de me enfronhar por vários caminhos do conhecimento em troca de visitas regulares pelos sites da Jancis Robinson, Wine Spectator, Gambero Rosso, Revue Du Vin, Decanter, Wine Enthusiast, e alguns outros mais esporádicos como elvino.com da Espanha, um ou outro do Chile e outro da Argentina. Deixei de lado o jornal diário e as revistas semanais, quando priorizei folhear as revistas de vinho que chegaram a mim, como as que são vendidas nas melhores revistarias, e como a italiana Il Sommelier e a lusitana Vinhos de Portugal que me trouxeram; além daquelas que são produzidas no Brasil, exclusivas de vinho ou que mantêm um caderno especial sobre vinho e harmonização. Para completar, participei de boa parte das degustações as quais sou convidado (não são tantas), passei pelos sites e blogs brasileiros que tratam de vinho, troco mensagens sobre o assunto com produtores e outros iguais a mim em detrimento de lançamentos de livros interessantes, de peças de teatro, de concertos de música clássica, de atividades familiares.

            Não sou apenas vinho, não sou e não quero ser, mas não sei se conseguirei. Clamo por ser, por continuar sendo política, culinária, cinema, esporte, pai, filho, marido, jogador de sinuca, turista, jogador de papo fora. Mesmo o vinho quando visto tão de perto, ganha uma dimensão que nem sempre é positiva como pode parecer. O vício da informação distorce o paladar, como acaba de me acontecer ao ganhar de presente de fim de ano um vinho Teroldego do Alto Adige numerado, produzido pela Cavit em Cervara, que mais me interessou as qualidades da vinificação que o sabor, pois corri para ver no site como ele era feito, quanto tempo de barrica etc. Depois pesquisei o peso da garrafa o tamanho da rolha e fui ao primeiro gole apenas depois de saber quanto custava na Itália e quanto custaria por aqui, caso fosse importado. Pareço o médico especialista que não quer saber o todo do corpo que analisa e que não se pronuncia sobre o particular antes de ter todos os exames laboratoriais em mão. Como ele, não se permite uma opinião baseada apenas nas sensações, pois as surpresas são indesejadas.

             Acho o máximo entender profundamente de algum assunto, mas ir fundo demais e manter esta profundidade acima de tudo, aliena. Não dá para deixar de ler um artigo que sai na Piaui sobre a Marina Silva, não dá para estar por fora dos acontecimentos só porque o vinho ocupou sua vida. A especialidade vicia, isola, faz com que a pessoa se sinta bem só entre seus pares no vício. Ela pode matar e não quero entrar no ano pensando em morrer desta doença.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.

Reflexões do Fundo do Copo – Harmonização

Este é o primeiro texto do amigo, Breno Raigorodsky, filósofo, publicitário, sommelier, juiz de vinho internacional FISAR e companheiro de degustações. A partir de hoje e todo o Sábado, caso ele não esqueça de enviar o texto a tempo, o Breno estará conosco neste projeto por decifrar e democratizar o vinho, compartilhando suas experiências conosco. A divulgação de eventos, noticias dos parceiros, etc. que normalmente apareciam neste dia, passam agora para Domingo, ok? Agora, porquê a ressalva do esquecimento? Pensem comigo; filósofo e publicitário com umas taças na cabeça ……..precisa falar mais?! Breno, bem-vindo mon ami e salute!

 

Amigos servem para nos colocar problemas. Alguns eu soube resolver, não saberia mais, como aquela amiga que me pediu, nos idos de 1967, para dançar agarradinho com ela, para que o noivo morresse de ciúmes e parasse de traí-la, o que me custou um belo olho roxo. Este tipo de problema não tento mais resolver. Mas quando me cobram uma harmonização com filet au poivre vert… faço o possível para ajudar.

Em primeiro lugar, digo steack au poivre e não filet, no máximo o rumsteack, porque francês que se preza, despreza o filé. Em segundo lugar sempre corto a pressa dos leitores de email que de tão apressados comem cru e começo dizendo que tem gente séria que acha esta história de harmonização quase uma besteira, por conta da dificuldade de dominar as ditas determinações.

Carne vai bem com tinto e vinagre? Peixe vai bem com branco e pimenta? Gordura vai bem com vinhos alcoólicos, mas você come a gordura que vem na carne? E queijo, queijo não costuma esconder os defeitos de cada vinho? Como faz com um macarrão polvilhado de parmesão fresco?

Nada diferente do vinho que acompanha os filés com pimenta preta quebrada, a mostarda e mistura de pimentas. As pimentas são sempre as mesmas, apenas num estágio diferente da “vida”, uma ainda verde, outra mais madura e a branca sem a casca. Pimenta sempre exige um vinho que não brigue com ela, principalmente os chamados vinhos de degustação do Novo Mundo, vinhos cujo sweet point é maior do que a maioria dos pontos G que se encontra por aí, uma aberração.

Não caia no conto dos marqueteiros do Malbec que insistem em dizer que esta uva produz vinhos especiais para servir com carne em geral, não é verdade. Harmonização não é apenas o prazer na mesa, é também – e talvez principalmente – o prazer depois da mesa! Vinho é saúde quando se contrapõe aos excessos de sua companhia. Um vinho muito untuoso com comida gordurosa demais? Estou fora, busco rapidamente algo que me dê prazer na mesa, mas que me facilite a digestão.

Muito melhor é seguir as determinações do sommelier bicampeão mundial, Roberto Rabachino, legítimo seguidor do decano Veronelli, que sugere a harmonização cautelosa, uma coisa de muita experimentação entre o responsável pela carta de vinho do restaurante e o chef deste mesmo local. Mas é legal apostar na harmonização escolhida pelo uso, quando você não tem nem o sommelier, nem o chef por perto para ajudar você. Digamos assim, o steack, por mais que tenha origem desconhecida, é um típico prato de bistrô parisiense, onde se consome prioritariamente com vinhos da vizinha Loire, vinhos à base da uva Cabernet Franc como o Chinon, legítimo troféu gaulês da luta de resistência contra as pretensões inglesas desde a Guerra dos 100 anos.

No caso do Steak au Poivre, tudo importa, além da carne. É carne mais ou menos salgada? Quanto de cognac para flambar? Quanto de manteiga para grelhar? É manteiga clareada? Em casa, servimos com ervilhas e batata frita…Mas é o creme de leite, que manda. Ele é capaz de brigar de frente com qualquer vinho com adstringência e madeira excessivas fazendo com que o vinho pareça estragado. Por exemplo um velho campeão como o Gran Coronas da casa Torres, que se mostrou Tempranillo demais para uma só garrafa.

Os livros da Academie de La Gastronomie Française ficam em cima do muro entre os dois grandes ícones do Hexágono, mas fica com o St Emillion ou Nuits de Saint Georges. Eu apostaria em vinhos menos importantes, vinhos com alguma juventude, um Beaujolais village, um Barbera, um Saint Amour… Um piemontês Grignolino 2006, um jovem Primitivo da Puglia, um Chinon, um rosado Tavel.

Aliás, falando em rosado, quanto maior for sua dúvida, mais caia nos braços de um belo rosado, seco, alcoólico, firme no sabor. Fuja dos preconceitos em nome do prazer.