Salvaguardas – Dizendo Sim aos Que Dizem Não

        No Aprazível, importante baluarte da boa gastronomia e de vinhos brasileiros no Rio de Janeiro, um grupo de pequenos produtores se juntou a consumidores e jornalistas engajados na luta contra as salvaguardas. Momento único que marcou a posição de muita gente nesta luta por mostrar a diversidade de nossos vinhos e realidades distintas entre os grandes coronéis de nossa indústria e os pequenos produtores que têm no terroir sua mais importante fonte de inspiração e que os ditadores de plantão se recusam a escutar já que estes não comungam da mesma cultura pelega. Mais importante, pois escancara de forma clara e poética, não tivesse sido redigida pelo Zanini (Vallontano), foi a a “pequena” mensagem lida pelo jornalista Alexandre Lalas na abertura do evento. É um texto magistral que merece ser lido por todos os que se importam pois mostra bem a realidade de nossa vinosfera tupiniquim!

Prezados senhores, senhoras, jornalistas, enófilos, sommeliers, chefs, lojistas, produtores, amantes do vinho, pessoas de bem.

É com imensa alegria que iniciamos este encontro. Hoje é um dia de júbilo inebriante, um dia de celebração. Estamos aqui para resistir a tentativa de genocído da diversidade do vinho no Brasil. Estamos aqui para resistir ao fim da pluralidade, estamos aqui para dizer a verdade, a nossa verdade, a única verdade. Estamos aqui porque não queremos ser engolidos pelo monstro da economia de escala. Estamos aqui para defender os vinhos brasileiros, e sobretudo para debater a tentativa perversa de privilegiar apenas a grande indústria de vinhos no Brasil em detrimento da artesania.

O Aprazível, já foi palco de outras batalhas e novamente abre suas portas para um momento importante e histórico, e sem precedentes para os rumos da vitivinicultura no Brasil. O Aprazível é para nós, pequenos produtores brasileiros, o fórum legítimo para discutir a vitivinicultura brasileira. O palco perfeito para quem não tem vez e voz em sua própria terra. É o púlpito para ressonarmos nosso descontentamento com as políticas impostas pelo setor, e por todas as entidades que apóiam o Selo Fiscal e a Salvaguarda.

Falam em patriotismo, falam em brasilidade, falam em responsabilidade, falam em abrir a cabeça, falam em erguer a taça, falam em dizer sim. Mas também nos acusam de boicotadores, de traidores do vinho brasileiro. Pois bem, gostaria de questionar quem são os traidores de fato. Será que nos venderíamos por 30 moedas? Será que teríamos todo este poder que agora nos imputam? Se não, vejamos:

  • quem boicotou as mais de 400 vinícolas que foram contra o Selo Fiscal?
  • Quem boicotou os cidadãos que firmaram de próprio punho, através de abaixo assinado, esta contrariedade?
  • Quem boicotou o pequeno produtor ao pedir que derrubassem a normativa que isentava o Selo fiscal para vinícolas que produzissem até 20.000 litros de vinho?
  •  Quem está boicotando a discussão sobre o sistema tributário Simples para as pequenas vinícolas?
  • Quem boicotou as vinícolas familiares que foram fechadas por não respeitarem a impraticável normativa IN 05 (normativa esta que impossibilita qualquer agricultor de fazer vinho em sua própria propriedade?)
  • Quem boicota os pequenos agricultores e os trata como verdadeiros criminosos por fazerem vinho para seu próprio consumo?
  • Quem são os boicotadores do vinho brasileiro?

Acusam indiscriminadamente os pequenos produtores, por estarem ligados a esta ou aquela importadora, acusam pequenos produtores por serem desta ou daquela etnia, acusam os pequenos produtores de serem deste ou daquele estado,acusam os pequenos produtores de estarem promovendo o cáos. Acusam os pequenos produtores de serem manipuladores de informações. Assim assistimos perplexos a tudo isto, a falta de elegância destas pessoas que estão botando abaixo a imagem do vinho brasileiro. Prezados cidadãos e cidadãs, o marketing não esconde atos fascistas, o marketing não limpa a alma, o marketing não forja caráter, o marketing não faz vinho! Mas querem reverter através dele a insanidade que foi o pedido de Salvaguarda.

Ora vejamos sobre a luz da razão esta abominação, Quem pediu a Salvaguarda para os vinhos brasileiros? Segundo um renomado enólogo e produtor de vinho brasileiro, foram as entidades “representativas” do Setor que pediram a Salvaguarda, mais ninguém. E quem são estas entidades? De que elas são formadas? De que matéria? De seres inanimados? De biomas desconhecidos? De lontras, leões marinhos, salames, porcos, raposas? Quem são seus dirigentes? Será que estas entidades abririam suas atas publicamente para termos acesso a estas votações? Tanto do Selo Fiscal quanto da Salvaguarda? Ou elas não existem? De onde surgiram estas idéias? Da caixa de pandora? Onde estas idéias foram debatidas? Quando, como e com quem? Estas atas não apareceram e nem vão aparecer, porque apenas poucas vinícolas decidem por centenas de produtores. Fácil agora recorrer a cortina obscura das “entidades representativas” do setor, para safarem-se do imbróglio.

 Disseram também que a Salvaguarda é um ato social, pois dela dependem 20.000 famílias. Gostaria de saber se as 20.000 famílias sabem das contrapartidas da Salvaguarda? Para que o governo adote as medidas protecionistas o setor se compromete a implementar diversas medidas compensatórias. Vejamos algumas delas:

  • “a implantação de 1.500 ha de vinhedos em áreas fora das áreas tradicionais”, quem sabe propomos as 20.000 famílias serem os novos pedestres do mar vermelho protagonizando mais um êxodo na história? Quem tem mais condições de implantar estes 1.500 hectares?
  • Outro exemplo, será a diminuição de até 15% do custo de produção da matéria-prima e redução em 35% com relação a regiões tradicionais, onde hoje habitam estas 20.000 familias. Além disso, teremos que aumentar 37% a produtividade dos nossos vinhedos, ou seja, teremos que piorar a qualidade de nossa uva? Isto é insano!
  •  E pasmem, a Salvaguarda incentiva fusões de empresas para ganho de escala, e pretendem investir do 3º ao 8º ano, 40 milhões de reais em promoção “coletiva”. Quem pagará esta conta? Para quem está sendo direcionada esta “coletividade”?

É revoltante saber que nos últimos anos as grandes corporações conseguiram tudo do IBRAVIN, e este mesmo instituto não apresentou um único plano para melhorar a competitividade das vinícolas familiares. Ao contrário, nos presenteou com o burocrático e ineficaz Selo Fiscal. Não apresentou uma única proposta para financiar pequenos produtores e incentivar a vitivinicultura familiar, ao contrário está exigindo cursos de qualificação para o implantação de uma normativa utópica e impraticável para os colonos, a IN05. Não há um único projeto para vinhos artesanais no país, ao contrário puniu os agricultores que elaboravam vinhos em suas propriedades.

 Novamente pergunto quem está sofrendo o boicote durante anos? Quem são os boicotadores. A grande indústria brasileira usa a ardilosa estratégia de se colocar como vítima. Queremos saber quem está de fato boicotando o vinho brasileiro? Meus caros, por isto estamos aqui, para dar nossa resposta de forma elegante e prazerosa, ao evento que simultaneamente acontece neste exato momento em outro local promovido pelos defensores do Selo Fiscal, da Salvaguardas e das Normativas, que servem apenas de instrumentos de defesa, numa vergonhosa e escancarada tentativa de reserva de mercado. Se fizeram dívidas e dimensionaram mal o seu mercado e suas expansões agora que paguem! Não dividam sua dívida com o setor, se fosse assim, também gostaríamos que o governo pagasse nossos Proger e Prodefrutas. Mas ao invés da choradeira estamos aqui, no verdadeiro campo de batalha “o mercado” tentando vender nossos vinhos sem nenhuma salvaguarda, sem recorrermos ao “tapetão”!

Não poderia deixar de fazer referência a um grande homem de coragem, e proprietário do restaurante que possui a melhor carta de vinho do Brasil, Pedro Hermeto. Parabéns pela coragem, pela determinação e entendimento. O Aprazível foi e sempre será a grande referência para o vinho brasileiro. Também agradeço a todos que se empenharam nesta luta de defesa do pequeno produtor brasileiro. Certamente o sacrifício e o sudário impressos em nossos dias, não nos roubaram a dignidade, nem execraram de nós a sensibilidade; ao contrário, nossas gárgulas inundaram as nossas vidas de alegria e serenidade. O vinho imaculado corre em nossas veias como o Vesúvio em seus tempos de glória!

Somos parte de um mesmo corpo, amantes de um mesmo amor, fugitivos de guerra procurando a paz. Como homens e mulheres de um novo tempo, temos somente um dever: procurar a verdade. Que ela nos guie e nos liberte, que ela nos desvende outros caminhos além daqueles indicados por outros, que ela nos esclareça e nos dê essência. Sigamos então a verdade da luz da lua numa noite de verão, bebamos um vinho autêntico com nosso melhor amigo, sejamos um pouco o corpo do Criador, sejamos os ramos da videira a frutificar pela eternidade, sejamos odres novos para o vinho novo. Cantemos os salmos da vida, festejemos o Cântico dos Cânticos, sempre e sempre. Façamos do vinho o nosso filho unigênito, respeitando suas nuances e suas estações, façamos dele nossa vida, como nossos sonhos, outrora verdadeiros, como o mar calmo depois do verão. Que os sonhos de cada um que se encontra hoje aqui, se tornem uma vinha fértil, que nossos braços sejam como os ramos e frutifiquem, que as nossas mãos toquem com delicadeza e carinho nossa colheita, e que nossos olhos habitem o infinito para sentirmos então todos os aromas indescritíveis, jamais sonhados, degustando a paz, e encontrando a vida plena.

No vinho a luz, no vinho a vida, no vinho o escárnio, a ousadia, no vinho o corpo, o sopro, a luz…

No vinho o mar,

No vinho o amor, o amor, o amor.

Assim seja

Luis Henrique Zanini”

     Entenderam o tamanho do problema armado pela Ibravin e Cia.? Orgãos que deveriam defender o vinho brasileiro, se tornaram entidades marionetes na mão dos grandes coronéis que formam o oligopólio de nossa vitivinicultura, os mesmos que conseguiram juros de pai para filho que só o BNDES consegue dar e que publicaram números de crescimento para lá de enormes numa economia que pouco cresceu em 2011. Como tenho dito, a reformulação da Ibravin com outro projeto e outra direção me parece a forma mais adequada de rever de forma democrática nosso futuro vitivinicola sem o cunho politico estadual e pelego hoje existente nas entidades dominadas pelos barões da região. Quem sabe ainda se faz a luz e algo de positivo sai desta mixórdia generalizada?

Prestigie as pequenas vínicolas brasileiras que dizem NÃO ao presente status quo! Salute, kanimambo e seguimos nos encontrando por aqui! A luta continua e, aproveitando o ensejo já que está na moda, que tal montar uma comissão da verdade para analisar as razões reais por trás do pedido de Salvaguardas?