Do Natal ao Ano Novo

          Poucos dias repletos de muita festa e excessos, mas como diz meu cunhado, o problema não é o que você faz, come ou bebe entre o Natal e o Reveillon, mas sim entre o Reveillon e o Natal. Neste caso, até que o cunhado foi sábio e tem toda a razão, mas de qualquer maneira deixem eu compartilhar com vocês as experiências enogastronômicas deste final de ano.

         Para começar, o Natal foi algo diferente com maior parte da família viajando então optamos por fazer algo mais singelo e sem a mesma fartura excessiva que cometemos todos os anos. De ceia fomos de algo bem tradicional português, Bacalhau á Brás (como deve ser, com as batatas fritas na hora e moles misturadas na hora de servir e antes de colocar o ovo, nada de batata palha de saquinho!). Para acompanhar, duas opções um tinto que achava que seria over e foi (Quinta das Marias Garrafeira), e um branco potente do Alentejo com, salvo engano, cerca de 14% de teor alcoólico o que, convenhamos, é um pouco alto para um branco apesar de bem equilibrado, é o Herdade Grande Colheita Selecionada 2008, um belo vinho branco elaborado com antão Vaz e Arinto, castas tradicionais da região. Leve floral no nariz, frutas tropicais e algo vegetal, na boca mostra-se cheio, volumoso, porém muito fresco com ótima acidez e notas minerais tendo-se adequado bem ao bacalhau formando uma boa parceria.

         No o almoço de dia 26, falou mais alto a parte italiana da família e não poderia faltar a pasta acompanhada por pernil que reguei com o Quinta  das Marias Garrafeira 2005 , que trouxe de Portugal e ainda não está disponível por estas bandas,  aberto no dia anterior e já comentado aqui.

               Para o reveillon, decidimos que não faríamos nada em casa e acabamos por decidir passar a meia noite numa cantina italiana nas Perdizes. Nada muito fancy, boa comida variada de cantina e a família toda finalmente reunida pela primeira vez neste final de ano. Como sempre, a premissa maior é harmonizar o vinho com as pessoas e com o momento, então optei por algo que não complicasse, mas que combinasse bem com os pratos disponíveis. O Bonachi Montepulciano de Abruzzo 2008, vinho bem redondo, apetecível, fácil de gostar e bom de harmonização com os tradicionais pratos da culinária italiana, cumpriu fielmente seu papel não decepcionando assim como o Salton Reserva Ouro, sempre um espumante coringa e muito bem feito.

              No almoço de dia primeiro no entanto, em um grupo de gente de menor número em casa, tempo para me esbaldar e tirar alguns néctares da adega. Abri com um Piper-Heidsieck Rosé seguido por um Cheval des Andes 2002 e terminamos com um Late Harvest da Esporão 2007.

Piper-Heidsieck Rosé Sauvage, é um espumante muito bom fazendo jus ao nome, mostrando aquele frescor e vivacidade característico dos espumantes da casa. Este, com os tradicionais aromas de cereja, algo de morango muito sutis no olfato enquanto na boca é vibrante, jovem sem grande complexidade porém de um frescor incrível e uma perlage muito fina e elegante. Uma baita forma de iniciarmos o almoço e a comprovação do porquê os champagnes representarem o que representam em nossa vinosfera, uma dádiva dos deuses!

Cheval des Andes 2002, um dos grandes vinhos da Argentina de acordo com a critica especializada, que tirei da adega onde já repousava faz um quatro ou cinco anos, pois achei que seria a companhia adequada para o Bife Ancho na brasa com arroz biro-biro, prato com que decidi iniciar o ano. Tá, a carne não era a do Varanda (um pouco de excesso de gordura), mas garanto que estava uma delicia. Realmente um corte que me encanta canta vez mais e a escolta do Cheval foi perfeita pois já havia amaciado. O vinho, corte de Cabernet Sauvignon, Malbec e Petit Verdot, talvez já tivesse até passado um pouco de seu auge, porém mostrou uma complexidade digna de suas origens enólogicas francesas apesar de ter nascido em Mendoza. Não soubesse, às cegas apostaria num Bordeaux de boa idade, macio, complexo, grande riqueza de sabores, fruta madura, boa acidez, madeira bem integrada, taninos doces, finos e elegantes emoldurando a carne com muita classe. Um belo vinho, só acho um pouco exagerado no preço aqui por nossas bandas. Sugestão, vinho a ser tomado com cerca de seis anos de idade quando, penso, deve atingir seu pico de evolução.

Late Harvest Esporão 2007, a mão certeira de David desta feita num vinho de sobremesa com base num lote especial de uvas semillon colhidas pela técnica de Cordon-Cut em que o cacho é cortado do cordão principal da vinha mas deixado na planta por alguns dias quando, sem alimentação, ela desidrata rápidamente ganhando doçura sem perder a acidez. Bem, não sou enólogo, mas achei que ele acertou a mão, mesmo que para meu gosto o vinho pudesse ter um pouco mais de acidez para melhor equilbrar o alto açúcar residual. Acompanhando uma torta caseira de limão, no entanto, mostrou-se ótimo companheiro sendo um dos bons vinhos de sobremesa provados neste ano passado. Aproveitando vai uma dica para quem quiser comprar. o preço costuma rondar os R$70 a 80,00, mas vi no Makro speciale e o Rei do whisky por quase metade, algo em torno de R$45!

         Foram dias calmos, após um mês de árduas negociações para a compra da loja (Assemblage) e acerto de detalhes com os proprietários do imóvel. Depois da tormenta a bonança, ou pelo menos assim dizem, então senti-me tranqüilo vislumbrando um 2010 cheio de desafios, mas com um horizonte que há muito não via. Os vinhos, os pratos a companhia tudo transbordava paz, alegria e bem estar. Que  2010 seja assim, um ano de conquistas e pleno de fluídos positivos para todos.

Salute e kanimamno.