Reflexões do Fundo do Copo – O Vinho e o Crítico

   breno3 O vinho e o crítico mantêm uma relação nem sempre auspiciosa. Enquanto o crítico é um amador, ou seja, não vive do que faz, faz de conta que é crítico, porque muitas vezes acaba sendo mais um inocente útil a serviço dos interesses do produtor do vinho, que pode ser tudo, mas jamais deixa de ter interesses comerciais no seu produto. Eu te convido para os eventos que promovo e você escreve bem sobre o que faço. Este é o trato. O mais influente conhecido de nossos entendidos em vinho na imprensa, o recém falecido e bem quisto por todos Saul Galvão, falava bem do que gostava e omitia sua opinião sobre o que não lhe agradava. Coisa de gentleman, coisa de gente fina.

             Não é preciso ser muito esperto para saber que qualquer nota 90 de Robert Parker aumenta o valor de um vinho, porque acelera – e muito – o conhecimento que se tem daquele produto, pois ele há de ser experimentado numa velocidade além do que seria comum, apenas pelas mãos do investimento publicitário e promocional. O sistema de dar notas aos vinhos que eu pratico nos meus cadernos particulares, serve como exercício próprio, uma brincadeira de confrontar a minha avaliação com a dos outros. Mas mesmo que assim não fosse, não teria grandes importâncias porque afinal não piloto uma coluna de grande repercussão no mercado. Mas o que dizer da Wine Spectator, da Decanter, do Gambero Rosso, do Peñin e de tantos e tantos outros como eles que influenciam o ato de comprar?

           Gente que escreve para milhões. Um Jorge Lucki, um Jorge Carrara, ao elogiar um vinho, tem a responsabilidade direta sobre o sucesso de venda de muitas marcas. Com isso, enquanto apenas poucos veículos sustentam uma relação profissional com os produtores e importadores, as revistas e blogs sobre vinho vão aparecendo em todas as frentes possíveis e imagináveis. Colunas que reproduzem os releases das assessorias de imprensa são inúmeras, espalhados por todos os cantos, fruto – talvez – desta pobre e incipiente relação entre produto e informação. O jornalista enófilo é seduzido por todo lado: viagens de visitação, ações patrocinadas que influenciam seu discernimento, por melhor que seja. Apenas aqueles que têm condições econômicas para viajar, comprar e degustar quando quiser e nas condições que quiser pode gritar “independência ou morte” neste negócio.

           Esta relação entre produto e imprensa não é, evidentemente, coisa exclusiva do mundo do vinho. Muitos outros nichos de interesse dependem da opinião abalizada para fazer sucesso. Os produtores de filme bajulam os críticos de cinema por isso. Os donos de restaurante fazem o impossível e o possível para aliciar o crítico gastronômico. As orquestras tentam criar o canto das sereias que enebrie os críticos mais importantes. O mesmo acontece com o crítico de arte plástica, de publicidade, de design gráfico etc. A base da questão está no grau de subjetividade do objeto a ser analisado. Prefiro assim, para não cair na vala comum daqueles que acham que homem é de tal forma corruptível que sempre será tentado a agradar quem lhe afaga.

           Boto toda a minha caixa de ferramentas à disposição da minha vontade de convencer o leitor sobre o assunto que estou tratando, portanto me envolvo emocionalmente com isso. Trato de defender as minhas pequenas certezas com todas as armas que tiver. Tento racionalizar minhas opções subjetivas e com isso passar segurança, conhecimento e informação sobre elas. O receptor deste meu esforço de comunicação é o leitor que pega o que escrevo, identifica-se com a idéia geral, com os princípios que defendo e, quase que por osmose sai a defender meu ponto de vista como se fosse seu. E assim como sou influenciado pelos que sabem mais do que eu e seduzido pelos proprietários do negócio que escolhi para comentar, influencio os que me lêem.

          Esta é a minha força. Esta é a minha fraqueza.

Mais um texto do amigo e colaborador, agora com participação quinzenal aos sábados, Breno Raigorodsky; 59, filósofo, publicitário, cronista, gourmet, juiz de vinho internacional e sommelier pela FISAR. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado.