Reflexões do Fundo do Copo – Brancos não são só Chardonnay e Sauvignon Blanc!

breno3       Mais um texto do amigo e colaborador de todos os sábados, Breno Raigorodsky. Para acessar seus textos anteriores, clique em Crônicas do Breno, aqui do lado, na seção – Categorias

 

            Agora que o verão foi embora, vejamos o que pudemos aprender a respeito de vinhos brancos. Aprendemos que eles são quase na sua totalidade, vinhos para se tomar a temperaturas abaixo de 10ºC? Aprendemos que eles são fruto de uma vinificação que descarta a casca das uvas? Aprendemos também que são super conceituados no mundo inteiro, talvez nem sempre tanto quanto os tintos, pois quase sempre são menos longevos e isto conta na hora de fazer o preço. Aprendeu também que isso não é um regra total, porque os vinhos como o húngaro Tokai e o bordolês Sauternes são vinhos que enfrentam qualquer vinho tinto em termos de preço e guarda.

              Muito bem, vinho branco é assim mesmo que se faz e que se toma, mas eu não estou aqui a escrever para débeis mentais que se matam em cliques intermináveis até chegar neste artigo. Obviamente você leitor, sabe isso e muito mais! Certamente já saiu da mesmice que é tomar apenas vinhos chardonnaybrancos de uva chardonnay, uma imposição do mercado, a uva para vinho branco que melhor se deu em quase todas as partes do mundo vitivinífero, incluindo o Brasil que, aliás, anda se saindo muito bem com ela, seja no modo tranqüilo, com produtos de primeiro time como o da Vila Francioni, o da Cordilheira de Sant’Ana, o da Angheben, além do reserva das grandes como o Valduga, o Miolo e o que a Salton vai ainda lançar; seja no modo espumante, métodos charmat e tradicional que nada devem aos de outros países, incluindo 90% dos produzidos na França. Neste quesito, realço novamente o esplendor da Geisse, um produto de qualidade comparável à dos produzidos em Franciacorta.

              Já verteu seus golinhos pela segunda uva de vinho branco mais espaçosa, a sauvignon blanc, uma cepa que anda crescendo em importância nas sauvignon_blanc_white_grape_varietygôndolas de vinho, principalmente depois que andaram perdendo a vergonha de querer se comparar com os franceses do Loire, onde ela é rainha majestática, em forma de pouilly fumé (e não fuissé como erroneamente saiu em artigo recente do Saul Galvão para o caderno Paladar, erro comum, aliás, que todos que escrevem tendem a cometer, não porque se pareçam – uma é de sauvignon Blanc do Loire, a outra é de chardonnay ao norte de Lyon, mas por conta do nome muito parecido). A Nova Zelândia e o Chile estão se esbaldando com ela, acertaram a mão no frescor e na jovialidade, fugiram de parentescos com a forma gaulesa de vinificá-la, pois apenas um solo que já foi mar – como é o caso da região ao lado do rio Sancèrre – dá ao vinho aquele gosto de pura e saudável vontade de “quero ostras, quero frutos do mar”. É também com ela que em Bordeaux se faz a maioria dos brancos, normalmente misturada com a Semillon. Ela aparece também na composição mágica dos Sauternes já citado, junto com outras duas, a semillon e a muscadelle.

              Já ouviu ao menos falar em outra uva de vinhos brancos do Loire, pois não? chenin20blancSim, lógico, ahahaha…. É a Chenin Blanc que tanto se deu bem na África do Sul, responsável por um dos mais deliciosos vinhos que conheço, o Vouvray, seco e frutado, elegante como poucos vinhos da Alsácia conseguem ser. Ah, eu falei de Alsácia assim, porque com certeza você conhece bem os riesling, gewurzstraminer, silvaner, pinot gris etc. daquela região, que mantém um jeitão alemão até nas uvas e vinhos que produz. Longevos como um Albariño espanhol ou Alvarinho português, um pouco menos do que os Chablis, ícones da mineralidade, os melhores chardonnay sem madeira de toda a Borgonha.

                     Voltando ao gewurztraminer, imagino que aproveitou o verão para conhecer algum vinho do Novo Mundo com esta uva, não foi? Se deu sorte de conhecer o da Casa Marin com esta cepa, apaixonou-se e mudou-se para o Chile para ficar mais perto do produtor! E voltando mais uma vez à silvanerAlsácia, andei fazendo uma pesquisa para saber o que há de Silvaner no mercado brasileiro e descobri surpreso e decepcionado que apenas a Mistral tem um vinho alemão com esta uva em seu catálogo, assim como apenas a Zahil traz um da Alsácia, o Trimbach Sylvaner.

                     Mas vamos em frente, porque se continuar assim, termino o artigo antes de sair da França o que é uma injustiça sem tamanho com tantas e tantas e tantas uvas portuguesas, italianas e espanholas. Mas os franceses merecem gros-mansengainda ao menos mais um paragrafozinho, você sabe. Devo insistir para dizer que o sul da França tem uvas para vinho branco que só não são mais importantes nas adegas porque seus produtores foram mais provincianos e não puseram a boca no mundo para gritar suas virtudes. A Decanter costuma trazer um vinho com a presença de uma tal de Gros Manseng que é cortado com sauvignon, uma uva que descobri sem querer, numa pesquisa que andei fazendo. Mas se existe uma Gros Manseng, pensei comigo, deve existir ao menos uma petite, n’est ce pas? Fiquei sabendo pela Wikipédia que não apenas ela existe como anda fazendo o maior sucesso na Austrália e na Califórnia; ou seja, atenção para ela, que ela merece.

               Finalizando a França, vou lembrar você do que você já está careca de saber – que um dos melhores vinhos brancos da França é feito com até 13 uvas bourboulenc_smmisturadas, das quais 5 se prestam mais aos vinhos brancos. Lógico, você respondeu certo e preciso ao lembrar dos vinhos feitos no Castelo Novo do Papa (dito Chateauneuf du Pape), aquele vinho feito em torno de Avignon, aos redores do castelo que o Papa contruiu no século XIII para escapar do verão mal cheiroso, por conta da podridão pestilenta trazida pelo vento Mistral e pelas águas do Rhone. As uvas do seu pretigioso vinho branco, tão importante quanto o tinto – que era famoso no Brasil mesmo antes da existência do Robert Parker –  Grenache Blanc, bourboulenc, clairet, picardin, roussane e picpoul!

                    O quê? Você que sai pelos corredores do seu escritório se gabando do seu conhecimento enciclopédico sobre vinhos não conhece algumas desta uvas? Jamais tinha ouvido falar em Bourboulenc? Bem feito, é pra aprender que são tantas as uvas, que são tantas as formas de vinificar, que é preciso ter 120 anos de experiência para experimentar todas de modo suficiente para poder dizer que esta é melhor que aquela!

                  Pois peço desculpas a você e às uvas que entram nas misturas dos vinhos antao_vaz_cachoverdes brancos portugueses, porque não vai dar para continuar neste artigo sem fim; peço desculpas aos vinhos maduros portugueses de cada região, como o Antão Vaz e o Rabigato que nos dão vinhos de primeira linha; aos Verdejos de Rioja, aos Torrontés argentinos. Peço especial desculpas aos Soave, Verdicchio, Vernaccia, Orvieto, Frascati, Traminer, Roero, Pinot grigio italianos, que tanto produzem porcarias como vinhos de grande qualidade. Principalmente, peço desculpas àqueles que adoram vinhos que sequer ouvi falar.

 Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR

Ps. As  uvas constantes das fotos de cada quadro estão sublinhadas no texto, para melhor identificação.