Fazendo Contas ao Vinho

Na empolgação da época de promoções, bota-foras e coisas mais do estilo deixamos um pouco de lado um dos maiores dilemas de nossa vinosfera, o preço. O Luiz Horta, Didu e outros têm dado umas estocadas nesse tema, com muita precisão por sinal, mas gostaria de dar a minha contribuição a esse assunto que me é bastante próximo e algo bem sensível já que mexe numa das partes de nosso corpo que mais dói, o bolso. Desde o inicio deste blog deixo claro o meu comprometimento com o tema preço e sua importância na análise de qualquer vinho. Primeiramente porque se é caro tem a obrigação de ser bom, por outro lado, o fato de que ser mais em conta não é fator desabonador (qualidade está no conteúdo da garrafa e não no preço) e, final mas principalmente, porque preço é sim um importante fator de decisão para a grande maioria da população apreciadora de vinhos, a não ser que só se tome vinhos recebidos gratuitamente ou pagos com cartão corporativo.

Reclamam que o consumo não cresce, o que não é verdadeiro. O que não cresce como se gostaria é o consumo per capita que vem se mantendo estável entre 1,8 a 2 litros per capita ano. Se, todavia, o consumo per capita se mantém estável e a população cresceu bastante, obviamente que o consumo vem crescendo e os números oficiais demonstram isso. Agora, porquê não cresce mais? Uma das razões principais é que manter o consumo elitizado, verdadeiro absurdo estratégico, mantém o consumo estanque já que, está mais do que provado e comprovado, conforme o preço sobe o consumo cai. Por si só, os grandes néctares não são, exceção feita a algumas pouquissímas vinicolas no mundo, o que mantêm as empresas. Estes exclusivos rótulos trazem-lhe a fama que possibilitará realmente ganhar dinheiro com as gamas de entrada e médias, que são a verdadeira fonte de lucro das empresa e estas linhas, obrigatoriamente, têm que ter preços que seu publico consumidor possa pagar. No Brasil ganhamos menos, temos mais despesas/custos (pagamos tudo em dobro) e ainda temos os preços de vinho mais aviltados do mundo. Não acredita? Façamos a conta.

Um vinho que você encontra nas lojas da Europa por 9 euros (aproximadamente 27 Reais), deve ter um preço de produtor abaixo dos 6 euros, mas consideremos este valor para efeito de cálculo. As despesas de importação e fretes totalizam, em média dependendo do mix de produtos, algo próximo a 100% o que nos levaria a um custo posto armazém do importador por volta de 12 euros. Impostos adicionais gerados pelo sistema de distribuição mais uns 20% levando-nos a 14,40 euros. Agora temos que adicionar as margens do importador para cobrir seus custos empresariais, custo Brasil e lucro, assim como as dos lojistas o que nos levará a algo entre 23 a 26 euros (cerca deR$70,00 a 80,00), ou seja, cerca de 2,5 a 3 vezes o preço de prateleira do produto na origem, que é o que, enfim, acho aceitável dentro do contexto, já que, obviamente, queria que esse spread fosse bem menor. Nos rótulos de preço mais alto, esses porcentuais caem e o preço final pode chegar a ficar entre 2 e 2,5 vezes. Tudo aquilo muito acima, ou muito abaixo, disso é de se estranhar e os casos de 5 ou 6 vezes o preço são o que mais nos revoltam como consumidores. Quando vindos dos paises vizinhos, especialmente Argentina e Uruguai, esses custos são menores, porém não tenho esses detalhes no momento.

A grande mudança comportamental do consumidr brasileiro nos ultimos 10 anos, é que a Internet, e todas as suas ferramentas, nos propiciaram comparar preços cada vez mais rápida e facilmente no mundo inteiro e com uma economia estável ganhamos parâmetros. Desta forma, o consumo se tornou mais conciente, pois agora ficou mais claro saber se o que estamos pagando é justo ou se estamos sendo esfolados. Agora entraremos num período de dois a três meses de puro “desbalance” de preços. Os importadores já estão saindo com suas novas tabelas contemplando os aumentos derivados da taxa cambial e do aumento do IPI, o que deve significar algo entre 20 a 30% de aumento no preço final a nós consumidores. Alguns produtores nacionais, já querendo pegar essa onda, falam de aumentos também próximo disso e tem mais.

Pegando o gancho da mensagem do Luis Henrique que publiquei aqui, o governo em conjunto com produtores nacionais, pelo menos com a anuência deles, trabalha numa invenção, ou seria aberração, chamada “selo fiscal” que deverá ser comprado e afixado nos vinhos. A idéia é que cada selo custe, pelo que escutei, algo ao redor de 3 reais mais todo o custo logístico e de mão de obra. Como é base de custo, todas as outras margens incidem em cascata sobre ele gerando um aumento final que estimo deva ficar por volta dos 5 reais por garrafa, talvez mais. Obvio que para os vinhos de elite que custam 200, 300 ou 500 Reais, este valor nem faz cócegas devendo, inclusive, provavelmente ser absorvido pela cadeia de distribuição. O problema é, por exemplo, nos Alfredo Rocca e las Moras, básicos nossos do  dia-a-dia, que terão seus preços acrescidos em cerca de 31% (R$5 sobre os 16 cobrados hoje nas gôndolas) ou dos famosos Reservados chilenos ou um Quinta de Cabriz Dão Colheita Selecionada (20% de aumento) ou, ainda, de um Travers de Marceaux ou Bom Juiz (mais 10%). Isso tudo em cima de todos os outros aumentos já citados. O pior é que atingem exatamente aqueles que começam a se familiarizar com vinhos finos, porque isto afeta principalmente os rótulos de menor preço a porta de entrada para que novos consumidores apareçam e se desenvolvam galgando os diversos degraus de conhecimento e de consumo. Com o devido respeito, esse selo fiscal é de uma tremenda ignorância, coisa de gente desassociada com a realidade! Depois ainda contam piada de Português …… bem, deixa para lá!

Algumas lojas, importadores e produtores nacionais estarão com estoques a preços antigos, outros já de estoque novos, outros remarcando por conta dos custos de reposição, outros não e por aí vai. Com toda essa verdadeira zorra, perderemos momentaneamente o parâmetro recém adquirido, mas logo, logo o mercado se estabilizará e voltaremos a poders avaliar melhor em que pé o mercado ficou e o estrago, ou não, provocado. O provável resultado final de tudo isto, caso falte sensibilidade e bom senso aos importadores, produtores e governo, é que vinho bom abaixo de R$30,00 (Euros 10 ou USD 13) vai ficar cada vez mais escasso, entrando na lista dos ameaçados de extinção, e aquela balela de democratizar o consumo vai para o brejo de vez!

A persistir essa ameaça, a Ibravin bem que pode colocar a viola no saco e esquecer seus planos mercadólogicos recém elaborados, pouparão uma grana lascada. Não precisa ser muito inteligente para entender que, com todo estes aumentos, o consumo cairá e a evolução cessa gerando problemas no médio e longo prazo. O que fica claro é que, mais que nunca, o garimpo será essencial para conseguirmos seguir tomando bons vinhos por bons preços, algo que vai se tornando cada vez mais difícil. Encontrar bons rótulos, parceiros sérios e compartilhar isto com os amigos leitores será, mais que nunca, uma árdua tarefa tanto deste blog como de todos aqueles que de alguma forma estejam envolvidos no meio, especialmente dos colegas blogueiros do vinho e da imprensa especializada.

Sorry, quando me entusiasmo extrapolo e alonguei o assunto um pouco demais tendo o texto virado um manifesto. Para quem teve a paciência (rsrs) de ler até ao fim, kanimambo. Salute e esperança de dias melhores.