Reflexões do Fundo do Copo – A Trufa Branca e o Vinho

brenoNum Outubro de alguns anos atrás, escrevi que a trufa branca italiana é o investimento mais perigoso que alguém pode fazer na vida, mais perigoso do que caçar diamantes na África do Sul, mais ainda do que comercializar cocaína*. Tudo porque, a trufa branca vale em torno de €4000 o kg e se esvai em água, murchando, não apenas a aparência mas principalmente em perfume, 10% ao dia. Em cinco dias, não vale nem a diária do hotel em Alba ou em Volterra. Ou seja, quem joga na Bolsa de Valores nos dias de hoje, é muito mais conservador do que quem aposta suas fichas na trufa branca In Natura.

Diante de tal produto, valoroso e polêmico quanto o mais fino caviar, o mais delicado pistilo de açafrão, não dá medo indicar o vinho que o acompanha? Trufa branca fresca se come em lâminas com macarrão, polenta, ovo estalado na frigideira e não muito mais, pelo mesmo medo que dá ao escolher o vinho, pois um prato desses pode ser tão caro, que ai daquele molho que bancar o engraçadinho e desvirtuar a personalidade do dito cujo.

Em termos de harmonia conceitual, um elemento gastronômico desses é um perigo, adorado por uns tantos e odiado por multidões. Afirmo que não deve ser compartilhado por um vinho cinzento, sem personalidade. Mas não pode também ser daquele tipo de vinho que quer mandar no pedaço, jogar para escanteio todos os outros componentes presentes. Portanto, antes de considerar as características da trufa, noves fora, excluímos mais ou menos 80% dos vinhos do mercado; os pesados demais, que estão cheios de madeira para dar, os que estão cheios de fruta em compota para dominar, os onanísticos, que se bastam e os sem personalidade, aqueles que você não sabe nada sobre eles e jamais vai saber, porque eles são filhos de misturas solteiras e grandes produções.

O Juscelino do Piselli, no seu festival de trufas deste ano, faz o que muitos fazem – botou logo um Barolo no casamento, que é para garantir uma saraivada de expressões de admiração, no prato e na taça! A acreditar no site italiano www.vinoinrete.it , o cliente dele corre o risco de pagar um mico – aliás bem caro, por conta do preço do sólido e do líquido. Para este site, a sugestão de harmonização é clara e transparente, tem que ser um vinho que tenha buquê intenso e persistente, porém pouca estrutura, o que não é o caso.

Depois de passear por uns vinhos como um Rosso Conero, um Dolcetto delle Langhe, acaba caindo nos braços de um espumante seco da Franciacorta. Grandes vinhos tintos, estruturados e de guarda, vão bem apenas quando a trufa é acompanhada de um esconde-defeitos, como são os queijos de ralar…Os amigos Mauro Maia e Marcelo Copello, comprovaram isso, ao tentar harmonizar trufas no Supra, como relata artigo sobre o assunto, na revista Adega. 4 vinhos potentes e caros, Borgonha, Barbaresco, Rioja, e um excelente vinho andino para arrematar. Salvaram-se todos mas só na hora do queijo!

Minha ousadia cresce quando, no site http://www.nove.firenze.it,  leio o resultado de uma disputa que houve em San Giovani D’Asso, no ano de 2006, entre 7 DOCG toscanos para saber qual deles harmonizava melhor com o dito nobre tubérculo subterrâneo. Brunello de C.Banfi, Carmignano Tenuta di Capezzana, chianti Donatella Colombini, Podere Terreno, Vernaccia di San Gimignano… “A Dama Branca dá Xeque Mate na Rainha Tinta e chega ao trono da sua majestade, a trufa branca (que em italiano é tartufo – ou seja – masculino). É a Vernaccia o seu melhor acompanhamento.”

Quinze caras votaram, com certeza interessados em garantir a sempre presente supremacia dos tintos. E quem ganhou foi um branco gastronômico. E qual é a moral da história? É a mesma de sempre, siga a sua vontade, não tenha medo de errar e parta de qualquer lugar, menos daquele chamado “preconceito”.

Breno Raigorodsky; filósofo, publicitário, sommelier e juiz de vinho internacional FISAR